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quinta-feira, 16 de maio de 2013

Atualizar Kardec...


Atualizar Kardec...
Cláudio Guimarães

   Ultimamente temos observado que o estudo sistemático do Espiritismo exige atenção especial à questão da definição de termos abordada em tratados de Metodologia Científica1 [1]. Temos nos deparado com discussões acaloradas sobre determinados assuntos e, passado algum tempo, chega-se à conclusão de que as pessoas estão de acordo sobre os conceitos, mas as palavras foram mal empregadas, ou os conceitos foram deturpados pela temporalidade dos termos.
   As teses científicas, principalmente aquelas que envolvem a abordagem de assuntos novos, contam com um ou mais capítulos dedicados à definição de termos. Assim também procederam os Espíritos na obra da Codificação. Nada é desenvolvido sem que antes seja definido. Por isto encontramos em O Livro dos Espíritos [2] perguntas como: 1.Que é Deus; 22a - Que definição podeis dar da matéria?; 23. Que é o Espírito?, etc., sempre antes do desenvolvimento do tema. Às vezes os próprios Espíritos introduzem definições de termos que não apareceram nas questões, mas que são de fundamental importância para a compreensão de determinados assuntos. É o caso do conceito de Fluido Universal, introduzido na resposta à questão 27 do mesmo livro.
   Devido justamente à má compreensão destes conceitos, ou à precipitação no sentido de adequá-los à ciência contemporânea, é que por vezes nos deparamos com afirmações absurdas e equivocadas que põem em risco o estudo sério e apurado do trabalho codificado por Allan Kardec.
   Temos por exemplo a questão da origem do universo. A Astrofísica nos apresentou o modelo do Big Bang [3], segundo o qual o universo teve início numa explosão que com enorme liberação de energia deu origem a tudo o que se conhece, inclusive às forças que o mantêm em equilíbrio. O tempo e o espaço tiveram início juntamente com o Universo do Big Bang, pois estas noções são intrínsecas à própria existência do universo. Segundo os conceitos científicos atuais o universo é mensurável, expande-se de forma nem sempre previsível e ainda não se sabe se é finito ou não [4]. O que havia antes do Big Bang? O que há para além das fronteiras do universo? Estas duas questões só podem ser formuladas porque existem para nós tempo e espaço. As teorias que procuram explicar a origem do universo e seu comportamento atual baseiam-se justamente nas informações que podemos colher dele mesmo e, se por ventura houve um antes, neste antes as leis conhecidas provavelmente não se aplicam2 [3] e, por enquanto, não há meios de investigação. Estas duas questões escapam ao escopo da Ciência que não as ignora, mas as deixa reservadas por absoluta falta de condições para investigação.
   Encontramos em O Livro dos Espíritos, Cap. III a seguinte definição para Universo: “O Universo abrange a infinidade dos mundos que vemos e dos que não vemos todos os seres animados e inanimados, todos os astros que se movem no espaço, assim como os fluidos que o enchem.” Cabe observar que esta definição encontra-se no capítulo que trata da Criação, dando sequência às definições teóricas iniciais, necessárias para o desenvolvimento da Tese Espírita. (Vide [2], Livro 1o, Caps. I-III). Nesta época não se imaginava nada além do Universo, ou seja, Universo significava o Todo ou absolutamente Tudo. Com as descobertas mais recentes apareceram hipóteses científicas a respeito da existência de universos paralelos, alcançáveis talvez pelos chamados buracos de minhoca, que seriam passagens através dos buracos negros (outra singularidade física). O universo em que vivemos e do qual muito pouco ainda conhecemos pode não ser o Todo. Seríamos vizinhos de outros universos.
   Estabeleçamos o seguinte raciocínio: se Deus é o ser supremo, existe desde toda a eternidade e a tudo criou, obviamente também teria criado os universos vizinhos que, caso existam, fazem parte do Todo da criação. Ainda que as leis que regem os outros universos fossem diferentes das leis do nosso Universo, seriam igualmente perfeitas, sem o que eles não existiriam; e teríamos ainda os dois elementos gerais, Espírito e Matéria, mesmo que organizados de outra forma, uma vez que segundo a definição dada pelos Espíritos 3, estes são os elementos constituintes do Todo universal.
   Se o Universo do Big Bang é o único que existe então a definição de O Livro dos Espíritos se refere a ele. Se os astrofísicos descobrirem que existe outro universo logo ali ao lado então somos forçados a reconsiderar o uso da palavra “universo” e adequá-la ao conceito apropriado. Isto significa que as conclusões apressadas a que possamos ter chegado sobre o Todo Universal não teriam caráter tão generalizado, mas restrito apenas ao conhecido, ou seja, ao Universo do Big Bang.
   Desta forma concluímos que pode ser precipitado o estabelecimento direto da relação entre o conceito de Universo explicitado em O Livro dos Espíritos e o modelo do Big Bang.
   Este é apenas um de inúmeros exemplos que podemos colher ao longo da Codificação e de outros livros espíritas. Sempre que nos dedicarmos ao estudo mais aprofundado do Espiritismo, precisamos nos reportar à época em que foram escritos os livros, quer sejam da Codificação ou não, e buscarmos os conceitos fundamentais vigentes então. As línguas ditas vivas são dinâmicas e atendem às necessidades imediatas de expressão de determinado povo ou grupo social. Os termos têm seus significados alterados conforme se altera o conhecimento e a semântica de determinado assunto. Novos termos são criados para coisas novas, mas velhos termos permanecem em uso para coisas que existem, mas cujo significado se altera com o tempo. É justamente neste ponto que precisamos tomar muito cuidado. Não se trata de atualizar os conceitos, mas compreendê-los de acordo com a época em que foram postulados e realizar a devida transposição para o conhecimento presente.
  Que tal uma edição revista e atualizada da Codificação, com todos os termos transpostos para o século XXI? Não seria mais fácil de estudar assim? Por que isto já não foi feito? Tal edição se tornaria obsoleta em alguns poucos anos ou meses e teríamos de reeditar, no mínimo anualmente, todo o cabedal espírita. Além disto, estaríamos correndo o sério risco de interpretarmos os conceitos segundo pontos de vista localizados (em tempo e espaço) de uma ordem de pensamentos em expansão contínua. Deixemos os livros como estão apenas aprendamos a usá-los com inteligência. Assim seremos capazes de sempre redescobrir o quão grande, bela e abrangente é a Doutrina dos Espíritos.
   Lembremo-nos do caráter fundamental do Espiritismo. A Doutrina Espírita não surgiu como revelação localizada e/ou temporal. Ela tem a pretensão de nos servir como bússola evolutiva por muito tempo, assim como o “evento” Jesus de Nazaré. Da mesma forma que ele nos deixou material com o qual ainda não sabemos lidar, mesmo após 2000 anos e em plena era de grande evolução raciona l; assim o Espiritismo nos propõe questionamentos profundos por trás de seus conceitos básicos.
   Jesus disse que enviaria o Consolador Prometido para restabelecer todas as coisas. O Espiritismo surgiu dezenove séculos depois e não mencionou o envio de mais nada, ou seja, é com ele que ficaremos provavelmente por muito tempo. Tenhamos calma. Não queiramos concluir em pouco mais de cem anos o trabalho que nos está reservado para vários séculos.


Fonte: Instituto Espírita de Estudos Filosóficos (www.ieef.org.br)
1 “O vocabulário científico é manifestado através dos conceitos próprios de cada campo do conhecimento científico. [...] Trata-se de dominar o vocabulário conceitual de cada ramo da ciência. Este domínio leva a transformar o nosso pensamento nas palavras apropriadas que exige o domínio ou conhecimento de cada área da ciência e do problema pesquisado...” [1]
2 A Física chama de singularidade uma situação onde uma teoria conhecida não se aplica. [3]
3 27. Há então dois elementos gerais do Universo: a matéria e o Espírito? “Sim e acima de tudo Deus, o criador, o pai de todas as coisas. Deus, espírito e matéria constituem o princípio de tudo o que existe, a trindade universal...” [2], Parte Primeira, Cap. II. Grifo nosso.

BIBLIOGRAFIA:
1. Trujillo Ferrari, Alfonso; Metodologia da Pesquisa Científica, McGraw-Hill do Brasil, 1982; pp 300-301.
2. Kardec, Allan; O Livro dos Espíritos, Federação Espírita Brasileira, 1995.
3. Hawking, Stephen W.; A Brief History of Time – Updated and expanded tenth anniversary ed., Bantam Books, 1998; Caps. 3, 6, 10.
4. Murphy, Tom; The Universe: Size, Shape and Fate, http://physics.ucsd.edu/~tmurphy/phys10/universe.pdf, 2005.
5. Kardec, Allan; A Gênese, Federação Espírita Brasileira, 1995.

 

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