a partir de maio 2011

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O ESPIRITISMO E A CIÊNCIA


Pelo Sr. C. FLAMMARION
(Camille Flammarion)
REVISTA ESPÍRITAJornal de Estudos Psicológicos publicada sob a direção de Allan Kardec
ANO 12 - MAIO 1869 - Nº. 5

Quando o Sr. vice-presidente da Sociedade, sobre a tumba do mestre, dissera, assim, a prece pelos mortos e testemunhou, em nome da Sociedade, os sentimentos de pesar que acompanham o Sr. Allan Kardec em sua partida desta vida, o Sr. Camille Flammarion pronunciou o discurso que vamosreproduzir em parte. De pé, numa elevação da qual dominava a assembléia, o Sr. Flammarion pôde fazer ouvir a todos e afirmar publicamente arealidade dos fatos espíritas, seu interesse geral na ciência e sua importância futura. Esse discurso não é somente um esboço do caráter do Sr. AllanKardec e do papel de seus trabalhos no movimento contemporâneo, mas ainda e sobretudo uma exposição da situação atual das ciências físicas,do ponto de vista do mundo invisível, das forças naturais desconhecidas, da existência da alma e de sua indestrutibilidade.
 
Falta-nos lugar para dar in extenso o discurso do Sr. Flammarion; eis o que se liga diretamente ao Sr. Allan Kardec e ao Espiritismo, considerado emsi mesmo. (O discurso inteiro foi publicado em brochura.). 
"SENHORES,
 
"Em atendendo, com deferência, ao convite simpático dos amigos do pensador laborioso, cujo corpo terrestre jaz agora aos nossos pés, lembro-me de uma sombria jornada do mês de dezembro de 1865. Eu pronunciava, então, supremas palavras de adeus sobre a tumba do fundador daLivraria acadêmica, do honorável Didier, que foi, como editor, o colaborador convicto de Allan Kardec na publicação das obras fundamentais deuma doutrina que lhe era cara, e que morreu subitamente também, como se o céu quisesse poupar, a esses dois espíritos íntegros o embaraçofilosófico de sair desta vida, por um caminho diferente do caminho comumente recebido. A mesma reflexão se aplica à morte de nosso antigocolega Jobard, de Bruxelas.
 
"Hoje minha tarefa é maior ainda, porque eu gostaria de poder representar ao pensamento daqueles que me ouvem, e aos milhões de homensque, na Europa inteira e no novo mundo, se ocuparam do problema ainda misterioso dos fenômenos ditos espíritas; desejaria, digo eu, poderlhes representar o interesse científico e o futuro filosófico do estudo desses fenômenos (aos quais se entregaram, como ninguém o ignora, homens eminentes entres nossos contemporâneos.) Eu gostaria de vos fazer entrever quais horizontes desconhecidos o pensamento humanoverá se abrir diante de si, à medida que ele estenda o seu conhecimento positivo das forças naturais em ação ao nosso redor; mostrar-lhes quetais constatações são o antídoto mais eficaz da lepra do ateísmo, que parece atacar particularmente a nossa época de transição, e testemunhar,enfim, publicamente aqui, do eminente serviço que o autor de O Livro dos Espíritos prestou à filosofia, e em chamando   atenção e à discussão sobre fatos que, até então, pertenciam ao domínio mórbido e funesto das superstições religiosas.
 
"Seria, com efeito, um ato importante o de estabelecer aqui, diante desta tumba eloqüente, que o exame metódico dos fenômenos chamados erradamente sobrenaturais, longe de renovar o espírito supersticioso e de enfraquecer a energia da razão, ao contrario, afasta os erros e asilusões da ignorância, e serve melhor o progresso do que a negação ilegítima daqueles que não querem se dar ao trabalho de ver.
 
"Mas não é aqui o lugar de abrir uma arena à discussão desrespeitosa. Deixamos somente descer de nossos pensamentos, sobre a faceimpassível do homem deitado diante de nós, os testemunhos de afeição e os sentimentos de pesar, que permanecem ao seu redor em seutúmulo, como um embalsmamento do coração! E, uma vez que sabemos que a sua alma eterna sobrevive a esse despojo mortal como ela opreexistiu; uma vez que sabemos que laços indestrutíveis ligam o nosso mundo visível ao mundo invisível; uma vez que esta alma existe hojetão bem quanto  três dias, e que não é impossível que ela não se ache atualmente aqui diante de mim, dizemos que não quisemos ver sedissipar a sua imagem corpórea e encerrá-lo em seu sepulcro, sem honrar unanimemente seus trabalhos e sua memória, sem pagar um tributode reconhecimento à sua encarnação terrestre, tão útil e tão dignamente cumprida.
 
"Traçarei primeiro, num esboço rápido, as linhas principais de sua carreira literária.
 
"Morto com a idade de sessenta e cinco anos, Allan Kardec tinha consagrado a primeira parte de sua vida a escrever obras clássicas,destinadas sobretudo ao uso dos preceptores da juventude. Quando, por volta de 1850, as manifestações em aparência novas das mesas girantes, das pancadas sem causa ostensiva, dos movimentos insólitos dos objetos e dos móveis, começaram a atrair a atenção pública e determinar mesmo, nas imaginações aventureiras, uma espécie de febre devida à novidade dessas experiências, Allan Kardec, estudando aomesmo tempo o magnetismo e seus efeitos estranhos, seguiu com a maior paciência e uma judiciosa clarividência as experiências e astentativas tão numerosas feitas então em Paris. Ele recolheu e colocou em ordem os resultados obtidos por essa longa observação, e com elescompôs o corpo de doutrina publicado em 1857, na primeira edição de O Livro dos Espíritos. Todos sabeis que sucesso acolheu esta obra, naFrança e no estrangeiro.
 
"Chegado hoje à sua 16ª. edição, ele difundiu em todas as classes, esse corpo de doutrina elementar, que não é novo em sua essência, umavez que a escola de Pitágoras, na Grécia, e a dos druidas em nossa própria Gália, ensinavam os seus princípios, mas que revelava umaverdadeira forma de atualidade por sua correspondência com os fenômenos.
 
"Depois dessa primeira obra, apareceram, sucessivamente: O Livro dos Médiuns ou Espiritismo experimental]  O que é o Espiritismo?resumo sob forma de perguntas e de respostas;  O Evangelho segundo o Espiritismo;  O Céu e o Inferno; — A Gênese; e a morte veiosurpreendê-lo no momento em que, em sua atividade infatigável, ele trabalhava numa obra sobre as relações do magnetismo e do Espiritismo.
 
"Para a Revista Espírita e a Sociedade de Paris, da qual era presidente, ele havia se constituído, de alguma sorte, o centro onde tudochegava, o traço de união de todos os experimentadores.  alguns meses, sentindo seu fim próximo, preparou as condições de vitalidadedesses mesmos estudos depois de sua morte, e estabeleceu a Comissão central que o sucede.
 
"Ele levantou as rivalidades; fez escola sob uma forma um pouco pessoal;  ainda alguma divisão entre os "espiritualistas" e os "espíritas."Doravante, senhores, (tal é pelo menos o voto dos amigos da verdade), devemos estar todos reunidos por uma solidariedade confraternal, pelos mesmos esforços para a elucidação do problema, pelo desejo geral e impessoal da verdade e do bem.
 
Quantos corações foram consolados, de início, por esta crença religiosa! Quantas lágrimas foram secadas! Quantas consciências abertas aosraios da beleza espiritual! Todo o mundo não é feliz neste mundo. Muitas aflições foram dilaceradas! Muitas almas adormeceram pelo ceticismo. Não será, pois, nada ter conduzido ao espiritualismo tanto seres que flutuavam na dúvida e que não amavam mais a vida nem física, nemintelectual?
 
"Allan Kardec era o que eu chamaria simplesmente "o bom senso encarnado." Razão reta e judiciosa, ele aplicava, sem esquecimento de suaobra permanente, as indicações íntimas do senso comum. Não está  uma menor qualidade, na ordem de coisas que nos ocupa. Era, pode-se afirmá-lo, a primeira de todas e a mais preciosa, sem a qual a obra não teria podido tornar-se popular nem lançar as suas imensas raízes nomundo. A maioria daqueles que se entregaram a esses estudos, lembraram-se haver sido em sua juventude, ou em circunstâncias especiais,elas mesmas testemunhas de manifestações inexplicadas;  poucas famílias que não hajam observado em sua história testemunhos dessaordem. O primeiro ponto era de aplicar a razão firme do simples bom senso, e de examiná-las segundo os princípios do método positivo.
 
"Como o próprio organizador desse estudo lento e difícil o previu, essa doutrina até então filosófica, deve entrar agora em seu período científico.Os fenômenos físicos, sobre os quais não se insistiu de inicio, devem se tornar o objeto da crítica experimental, sem a qual nenhuma constataçãoséria é possível. Este método experimental, ao qual devemos a glória do progresso moderno e as maravilhas da eletricidade e do vapor, estemétodo deve tirar os fenômenos da ordem ainda misteriosa, à qual assistimos, dissecá-los, medi-los e defini-los.
 
"Porque, senhores, o Espiritismo não é uma religião, mas uma ciência, ciência da qual conhecemos apenas o a d c. O tempo dos dogmasacabou. A Natureza abarca o universo, e o próprio Deus que se fez outrora à imagem do homem, não pode ser considerado pela metafísicamoderna senão como um Espírito na Natureza. O sobrenatural não existe. As manifestações obtidas por intermédio dos médiuns, como as domagnetismo e do sonambulismo, são da ordem natural, e devem ser severamente submetidas ao controle da experiência. Não  mais milagres.Assistimos à aurora de uma ciência desconhecida. Quem poderia prever a que conseqüências conduziria, no mundo do pensamento, o estudopositivo desta psicologia nova?
 
"A ciência rege o mundo doravante; e, senhores, não será estranho a este discurso fúnebre, observar sua obra atual e as induções novas queela nos descobre, precisamente do ponto de vista de nossas pesquisas."
Aqui, o Sr. Flammarion entra na parte científica de seu discurso. Ele expõe o atual estado da astronomia e o da sica, desenvolvendoparticularmente as descobertas relativas à análise recente do espectro solar. Resulta dessas descobertas que não vemos quase nada do que sepassa ao nosso redor na Natureza. Os raios caloríficos, que evaporam a água, formam as nuvens, causam os ventos, as correntes, organizam a vidado globo, são invisíveis para a nossa retina. Os raios químicos que regem os movimentos das plantas e as transformações químicas do mundoinorgânico são igualmente invisíveis. A ciência contemporânea autoriza, pois, os objetivos revelados pelo Espiritismo, e nos abre, de seu lado, ummundo invisível real, cujo conhecimento não pode senão nos esclarecer sobre o modo de produção dos fenômenos espíritas.
 
O jovem astrônomo apresentou em seguida o quadro das metamorfoses, do qual resulta que a existência e a imortalidade da alma  se revelam pelaspróprias leis da vida. Não podemos entrar aqui nessa exposição, mas convidamos vivamente nossos irmãos em doutrina a lerem e a estudarem odiscurso do Sr. Flammarion em seu todo (1).
 
Depois de sua exposição científica, o autor a terminou como segue: 
"Que aqueles cuja visão está limitada pelo orgulho ou pelo preconceito não compreendem esses ansiosos desejos de nossos pensamentosávidos de conhecer; que lancem sobre esse gênero de estudos o  sarcasmo  ou   anátema!  Nós  elevamos  mais  alto  as nossascontemplações!... Tu fostes o primeiro, ó mestre e amigo! fostes o primeiro que, desde o início de minha carreira astronômica, testemunhou umaviva simpatia por minhas deduções relativas às Humanidades celestes; porque, tomando em mão o livro da Pluralidade dos mundos habitados, ocolocaste em seguida à base do edifício doutrinário que sonhavas. Muito freqüentemente, nos entretemos juntos sobre essa vida celeste emisteriosa. Agora, ó alma, sais para uma visão direta, em que consiste essa vida espiritual, à qual retornaremos todos, e de que nos esquecemos durante esta existência.
 
"Agora, retornaste a esse mundo de onde viemos, e recolhes o fruto de teus estudos terrestres. Teu envoltório dorme aos nossos s, teucérebro está aniquilado, teus olhos estão fechados para não mais se abrirem, tua palavra não se fará mais ouvir!... Sabemos que todoschegaremos a esse mesmo último sono, à mesma inércia, ao mesmo pó. Mas não é neste envoltório que colocamos a nossa glória e a nossaesperança. O corpo tomba, a alma permanece e retorna ao espaço. Nós nos reencontraremos num mundo melhor, e no céu imenso onde seexercitarão as nossas faculdades mais poderosas, continuaremos os estudos que não tinham sobre a Terra senão um teatro muito estreitopara contê-los. Gostamos mais de saber esta verdade, do que de crer que jazes por inteiro neste cadáver e que tua alma haja sido destruída pelacessação do jogo de um órgão. A imortalidade é a luz da vida, como esse brilhante sol é a luz da Natureza.
 
"Até breve, meu caro Allan Kardec, até breve."
(1) O discurso pronunciado sobre a tumba do Sr. Allan Kardec acaba de ser impresso. Ele forma uma brochura de 24 páginas, no formato de O Livro dos Espíritos. Na livraria espírita preço: 50 centavos defranco: para recebê-lo, basta enviar esta quantia em estampilhas. Na livraria, 40 centavos; por dúzia, 4 fr. 75 franco.

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