REVISTA ESPÍRITA Jornal de Estudos Psicológicos publicada sob a direção de Allan Kardec
ANO 12 - MAIO 1869 - Nº. 5
AOS ASSINANTES DA REVISTA.
BIOGRAFIA DO SR. ALLAN KARDEC.
* 3 OUTUBRO 1804
+ 31 MARÇO 1869
É sob o golpe da dor profunda causada pela partida prematura do venerávelfundador da Doutrina Espírita, que abordamos uma tarefa, simples e fácil para suasmãos sábias e experimentadas, mas cujo peso e a gravidade nos oprimiriam, se nãocontássemos com o concurso eficaz dos bons Espíritos e a indulgência de nossosleitores.
Quem, entre nós, poderia, sem ser tachado de presunção, se gabar de possuir oespírito de método e de organização do qual se iluminam todos os trabalhos domestre? Só sua poderosa inteligência podia concentrar tantos materiais diversos, etriturá-los, transformá-los, para derramá-los em seguida, como um orvalho benfazejo,sobre as almas desejosas de conhecer e de amar.
Incisivo, conciso, profundo, ele sabia agradares e fazer compreender numalinguagem ao mesmo tempo simples e elevada, tão afastado do estilo familiarquanto das obscuridades da metafísica.
Multiplicando-se sem cessar, até aqui, ele tinha podido bastar a tudo. No entanto, o crescimento diário de suas relações e o desenvolvimento incessante do Espiritismo, o fizeram sentir a necessidade de reunir alguns ajudantes inteligentes, e ele prepararsimultaneamente a organização nova da doutrina e de seus trabalhos, quando nosdeixou para ir a um mundo melhor, recolher a sanção da missão cumprida, e reuniros elementos de uma nova obra de devotamento e de sacrifício.
Ele era só!... Nós nos chamaremos legião, e, embora fracos e inexperientes quesejamos, temos a íntima convicção de que nos manteremos à altura da situação, se,partindo dos princípios estabelecidos e de uma evidência incontestável, nós nosfixarmos em executar, tanto quanto nos será possível e segundo as necessidades do momento, os projetos de futuro que o próprio Sr. Allan Kardec sepropunha cumprir.
Enquanto estivermos neste caminho e que todas as boas vontades se unirem num comum esforço para o progresso e a regeneração intelectual e moral daHumanidade, o Espírito do grande filósofo estará conosco e nos secundará com suapoderosa influência. Possa ele suprir a nossa insuficiência, e possamos nós nostornar dignos de seu concurso, em nos consagrando à obra com tanto dedevotamento e de sinceridade, senão com tanto de ciência e de inteligência!
Ele havia escrito sobre a sua bandeira, estas palavras: Trabalho, solidariedade,tolerância. Sejamos, como ele, infatigáveis; sejamos, segundo seus votos, tolerantese solidários, e não temamos seguir o seu exemplo em remetendo vinte vezes aoestaleiro os princípios ainda em discussão. Apelemos a todos os concursos, a todasas luzes. Tentaremos avançar com certeza antes do que com rapidez, e nossosesforços não serão infrutíferos, se, como disto estamos persuadidos, e como distodaremos os primeiros o exemplo, cada um se fixar em cumprir seu dever, pondo delado toda questão pessoal a fim de contribuir para o bem geral.
Não poderíamos entrar sob auspícios mais favoráveis na nova fase que se abre para o Espiritismo, do que em fazendo conhecer, aos nossos leitores, num rápido esboço, o que foi toda a sua vida, o homem íntegro e honrado, o sábio inteligente e fecundo, cuja memória se transmitirá aos séculos futuros, cercada da auréola dos benfeitores da Humanidade.
Nascido em Lyon, a 3 de outubro de 1804, de uma antiga família que se distinguiu na magistratura e na advocacia, o Sr. Allan Kardec (Léon-Hippolyte-Denizard Rivail)não seguiu essa carreira. Desde sua primeira juventude, sentiu-se atraído para oestudo das ciências e da filosofia.
Educado na Escola de Pestalozzi, em Yverdun (Suíça), tornou-se um dos discípulos mais eminentes do célebre professor, e um dos propagadores zelosos de seu sistema educacional, que exerceu uma grande influência na reforma dos estudos naAlemanha e na França.
Dotado de uma inteligência notável e atraído para o ensino por seu caráter e suas aptidões especiais, desde a idade de quatorze anos, ele ensinava o que sabia aosseus condiscípulos que tinham adquirido menos do que ele. Foi nessa escola que sedesenvolveram as idéias que deveriam, mais tarde, colocá-lo na classe dos homensde progresso e dos livre-pensadores.
Nascido na religião católica, mas educado num país protestante, os atos deintolerância que teve que suportar a esse respeito lhe fizeram, em boa hora,conceber a idéia de uma reforma religiosa, à qual trabalhou no silêncio durantelongos anos, com o pensamento de chegará unificação das crenças; mas lhe faltavao elemento indispensável à solução deste grande problema.
O Espiritismo veio mais tarde lho fornecer e imprimir uma direção especial aos seus trabalhos.
Terminados seus estudos, veio para a França. Conhecendo afundo a língua alemã, traduzia para a Alemanha diferentes obras de educação e de moral, e, o que écaracterístico, as obras de Fénelon, que o haviam particularmente seduzido.
Ele era membro de várias sociedades científicas, entre outras, da Academia real de Arras, que, em seu concurso de 1831, o coroou por um memorial notável sobre estapergunta: "Qual é o sistema de estudos mais em harmonia com as necessidades daépoca?"
De 1835 a 1840, fundou, em seu domicílio, à rua de Sèvres, dois cursos gratuitos, onde ensinava a química, a física, a anatomia comparada, a astronomia, etc.;empreendimento digno de elogios em todos os tempos, mas sobretudo numa épocaonde um pequeníssimo número de inteligências se arriscavam a entrar nessecaminho.
Constantemente preocupado em tornar atraentes e interessantes os sistemas de educação, ele inventou, ao mesmo tempo, um método engenhoso para ensinaracontar, e uma tabela mnemônica da história da França, tendo por objeto fixar namemória as datas dos acontecimentos notáveis e das grandes descobertas que ilustraram cada reinado.
Entre as suas numerosas obras de educação, citaremos as seguintes: Planoproposto para a melhoria da instrução pública (1828); Curso prático e teórico dearitmética, segundo o método de Pestalozzi, para uso dos instrutores e das mães de família (1829); Gramática francesa clássica (1831); Manual dos exames para osdiplomas de capacidade; Soluções lógicas das perguntas e problemas de aritméticae de geometria (1846); Catecismo gramatical da língua francesa (1848); Programados cursos usuais de química, física, astronomia, fisiologia, que ele professava no LYCÉE POLYMATIQUE; Ditados normais dos exames do Hôtel-de-Ville e daSorbonne, acompanhados de Ditados especiais sobre as dificuldades ortográficas(1849), obra muito estimada na época de seu aparecimento, e da qual, recentementeainda ele fez tirar novas edições.
Antes que o Espiritismo viesse popularizar o pseudônimo Allan Kardec, ele havia, como se vê, sabido ilustrar, por trabalhos de uma natureza toda diferente, mas tendopor objeto esclarecer as massas e interessá-las mais à sua família e ao seu país.
"Por volta de 1850, desde que se discutia a manifestação dos Espíritos, o Sr. Allan Kardec se entregou a observações perseverantes sobre esse fenômeno, e fixou-seprincipalmente em lhes deduzir as conseqüências filosóficas. Ali entreviu primeiro oprincípio de novas leis naturais: as que regem as relações do mundo visível e domundo invisível; reconheceu na ação deste último uma das forças da Natureza, cujoconhecimento deveria lançara luz sobre uma multidão de problemas, reputadosinsolúveis, e compreendeu-lhe a importância do ponto de vista religioso.
"Suas principais obras sobre essa matéria são: O Livro dos Espíritos, para a partefilosófica, e cuja primeira edição apareceu em 18 de abril de 1857; O Livro dosMédiuns, para a parte experimental e científica (janeiro de 1861); O Evangelhosegundo o Espiritismo, para a parte moral (abril de 1864); O Céu e o inferno, ou ajustiça de Deus segundo o Espiritismo (agosto de 1865); A Gênese, os milagres eas predições (janeiro de 1868); a Revista Espírita, jornal de estudos psicológicos,coletânea mensal começada em 1° de janeiro de 1858. Ele fundou em Paris, em 1° deabril de 1858, a primeira Sociedade Espírita regularmente constituída sob o nome deSociedade Parisiense dos Estudos Espíritas, cujo objetivo exclusivo era o estudodesta nova ciência. O Sr. Allan Kardec se defende a justo título de nada ter escritosob a influência de idéias preconcebidas ou sistemáticas; homem de um caráter frioe calmo, observou os fatos, e de suas observações deduziu as leis que os regem; oprimeiro a dar-lhe a teoria e dela formou um corpo metódico e regular.
"Em demonstrando que os fatos falsamente qualificados de sobrenaturais estão submetidos a leis, fê-los entrar na ordem dos fenômenos da Natureza, e destruiu,assim, o último refúgio do maravilhoso e um dos elementos da superstição.
"Durante os primeiros anos em que se discutiam os fenômenos espíritas, essasmanifestações foram antes um objeto de curiosidade do que um assunto demeditações sérias; O Livro dos Espíritos fez encarar a coisa sob um diferenteaspecto; então, deixam-se as mesas girantes, que não haviam sido senão umprelúdio, e reúne um corpo de doutrina que abarca todas as questões que interessamà Humanidade.
“Do aparecimento de O Livro dos Espíritos data a verdadeira fundação doEspiritismo, que, até então, não possuía senão os elementos esparsos semcoordenação, e cuja importância não havia podido ser compreendida porto do omundo; desse momento também, a doutrina fixa a atenção dos homens sérios e tomaum desenvolvimento rápido. Em poucos anos essas idéias encontraram numerososadeptos em todas as classes da sociedade e em todos os países. Esse sucesso,sem precedente, sem dúvida, prende-se às simpatias que essas idéias encontraram,mas é devido também, em grande parte, à clareza, que é um dos caracteresdistintivos dos escritos de Allan Kardec.
"Em se abstendo das fórmulas abstratas da metafísica, o autor soube se fazer ler sem fadiga, condição essencial para a vulgarização de uma idéia. Sobre todos ospontos de controvérsia, sua argumentação, de uma lógica rigorosa, oferece pouca contenda à refutação e predispõe à convicção. As provas materiais que o Espiritismodá da existência da alma e da vida futura tendem à destruição das idéiasmaterialistas e panteístas. Um dos princípios mais fecundos dessa doutrina, e quedecorre do precedente, é o da pluralidade das existências, já entrevisto por umamultidão de filósofos antigos e modernos, e, nestes últimos tempos, por Jean Reynaud, Charles Fourier, Eugène Sue e outros; mas tinha ficado no estado dehipótese e de sistema, ao passo que o Espiritismo lhe demonstra a realidade e provaque é um dos atributos essenciais da Humanidade. Desse princípio decorre asolução de todas as anomalias aparentes
Nenhum comentário:
Postar um comentário