Fragmentos extraídos dos doze primeiros anos
da Revista Espírita
Traduzido por Paulo A.
Ferreira
editado
por Le Centre Espirite Lionnais Allan Kardec
Segundo disse
M. de Buffon, com muita razão: O estilo é o homem, e assim, para melhor
apreciarmos Allan Kardec, estudemo-lo em sua obra porque, dessa forma, quanto
mais julgarmos os méritos deste profundo pensador, mais crescerão nosso
respeito e nossa afeição por ele. Dentro deste propósito, acreditamos dever
reproduzir aqui algumas passagens extraídas dos numerosos artigos que ele
publicou na Revista Espírita de 1858 a 1869; elas nos recordarão alguns dos
princípios filosóficos que freqüentemente o Mestre gostava de frisar. Meditando
seus conselhos, suas máximas, aprenderemos a conhecer e amar melhor o Fundador
da Filosofia Espírita.
R. E.
1865, p. 328 :
« Deus me guarde de ter a presunção de me crer o único capaz, ou
mais capaz do que um outro, ou o único encarregado de cumprir os desígnios da
Providência; não, este pensamento está longe de mim. Neste grande movimento
renovador tenho a minha parte de atuação; não falo senão daquilo que me
concerne; mas o que posso afirmar sem vã fanfarrice, é que, no que me incumbe,
nem a coragem, nem a perseverança, me
faltarão. Nisso jamais falhei, mas hoje que vejo o caminho se aclarar de
uma maravilhosa claridade, sinto minhas forças crescerem, não tenho mais dúvida
e graças às novas luzes que praza a Deus me dar, estou certo, e digo a todos os
meus irmãos, com toda a certeza que jamais tive: coragem e perseverança,
porque um esplendoroso sucesso coroará vossos esforços. »
R. E.
1867, p. 40 : « O Espiritismo é, como alguns
o pensam, uma nova fé cega substituindo a uma outra fé cega ou, dito
de outra forma, uma escravidão do pensamento sob uma nova forma? Para crer
nisso seria preciso se ignorasse os seus primeiros elementos. Com efeito, o
Espiritismo coloca, em princípio, que antes de crer é preciso compreender ;
ora, para compreender, é preciso usar de seu julgamento; eis porque
ele procura se dar conta de tudo em vez
de nada admitir, em saber o porque e o como de cada coisa ; também os
Espíritas são mais céticos do que muitos outros com relação aos fenômenos
que saem do círculo das observações habituais. Ele não repousa sobre nenhuma
teoria preconcebida ou hipotética, mas sobre a experiência e a observação dos
fatos ; em vez de dizer : « Creia em primeiro lugar e se
puder compreenda em seguida », ele diz : « Compreenda em
primeiro lugar, e creia em seguida se você quiser. » Não se impõe à
ninguém; diz a todos : « Veja, observe, compare e venha a nós
livremente se tal lhe convier ». Falando assim, ele se adianta e corta
as chances da concorrência. Se muitos vão a ele, é porque os satisfaz muito,
mas ninguém o aceita de olhos fechados. Àqueles que não o aceitam, ele
diz : « Você é livre, e não o quero ; tudo que peço é me que
deixe minha liberdade, como eu lhe deixo a sua. Se procura me afastar, por
receio de que eu suplante você, é porque você não está bem certo de si.
O Espiritismo, procurando não descartar nenhum dos concorrentes dentro
da liça aberta às idéias que devem prevalecer no mundo regenerado, está
dentro das condições da verdadeira liberdade de pensamento ; e não
admitindo nenhuma teoria que não seja fundamentada sobre a observação, está, ao
mesmo tempo, dentro daquelas de mais rigoroso positivismo ; enfim, tem
sobre seus adversários, de opiniões contrárias extremas, a vantagem da tolerância. »
Àqueles que querem ver os fenômenos, antes de crer
no Espiritismo, Allan Kardec dá estes sábios conselhos :
R. E. 1861, p. 130 : « Seria, de resto, bastante
inconveniente que a propagação da Doutrina ficasse subordinada à publicidade de
nossas reuniões : por mais numeroso que pudesse ser o auditório, ele seria
sempre fortemente restrito, imperceptível, comparado à massa da população. Por
outro lado nós sabemos, por experiência, que a verdadeira convicção não se
adquire a não ser pelo estudo, pela reflexão e por uma observação sustentada, e
não, assistindo a uma ou duas sessões, por mais interessantes que elas sejam, e
isto é tão verdadeiro, que o número dos que crêem sem nada terem visto, mas
porque eles têm estudado e compreendido, é imenso. Sem dúvida o desejo de ver é
muito natural, e estamos longe de censurar, mas queremos que o fenômeno seja
visto em condições de aproveitamento. Eis porque dizemos : Primeiramente
estude, e em seguida veja, porque assim compreenderá melhor.
Se os incrédulos refletissem sobre essa condição,
eles extrairiam a melhor garantia, em primeiro lugar, de nossa boa fé, e em
seguida da potência da Doutrina. Aquilo
que o charlatanismo mais teme, é ser compreendido ; ele fascina os olhos e
não é bastante tolo para se dirigir à inteligência que descobriria facilmente a
sua farsa. O Espiritismo, ao contrário, não admite confiança
cega ; quer ver claramente em
tudo ; quer que se compreenda tudo, que se leve em conta tudo ;
então quando prescrevemos o estudo e a meditação, isto é apelar ao concurso da
razão, e provar que a ciência espírita não teme o exame, pois que antes de crer
nós fazemos do compreender uma obrigação. »
R. E. 1861 p. 377 : « Quem tem a intenção de organizar
um grupo em boas condições deve antes de tudo se assegurar do concurso de
alguns adeptos sinceros, que levem a Doutrina a sério e cujo caráter conciliador e benevolente lhe seja
conhecido. Com esse núcleo formado, que seja de três ou quatro pessoas, se
estabelecerá regras precisas, seja para as admissões, seja para a direção das
reuniões e para a ordem dos trabalhos, regras às quais os recém chegados terão
de se conformar... A primeira condição a impor, se não se deseja ser a cada
instante distraído por objeções ou questões ociosas, é pois o estudo
preliminar. A segunda é uma profissão de fé categórica e uma adesão formal à
Doutrina do Livro dos Espíritos e certas outras condições especiais que
se julgar a propósito. Isto é para os membros titulares ou dirigentes ;
para os ouvintes, que vêm geralmente para adquirir um acréscimo de
conhecimentos e de convicções, se pode ser menos rigoroso ; todavia, como
existem os que podem causar problemas pelas observações deslocadas, é importante
se assegurar de suas disposições ; é preciso sobretudo, e sem exceção,
afastar os curiosos e todos os que não sejam atraídos senão por um motivo
frívolo.
A ordem e a regularidade
dos trabalhos são coisas igualmente essenciais. Nós consideramos como
eminentemente útil abrir a reunião pela leitura de qualquer passagem do Livro
dos Médiuns e do Livro dos Espíritos ; por este meio, se terá sempre
presente na memória os princípios da ciência e os meios de evitar os escolhos
que se encontram a cada passo na prática. A atenção se fixará assim sobre uma
multidão de pontos que escapam freqüentemente
numa leitura particular, e poderão dar lugar a comentários e a
discussões instrutivas, às quais mesmo os Espíritos poderão tomar parte... »
R. E. 1861, p. 380 : « ...Tudo isso, como se vê, é de
uma execução muito simples, e sem acessórios complicados ; mas tudo
depende do ponto de partida, isto é, da composição dos grupos primitivos. Se
eles forem formados de bons elementos, serão tantas boas raízes que darão bons
rebentos. Se, ao contrário, são formados de elementos heterogêneos e
antipáticos, de espíritas duvidosos, se ocupando mais da forma que do fundo,
considerando a moral como a parte acessória e secundária, é preciso se prever
polêmicas irritantes e sem desfecho, melindres de suscetibilidades, seguido de
conflitos precursores da desorganização. Entre verdadeiros espíritas, tais como
os havemos definido, vendo o propósito essencial do Espiritismo na moral, que é
a mesma para todos, haverá sempre abnegação da personalidade, condescendência e
benevolência, e, por conseqüência, certeza e estabilidade nos relacionamentos.
Eis porque insistimos tanto nas qualidades fundamentais. As sociedades
numerosas têm sua razão de ser do ponto de vista da propaganda, mas, para os
estudos sérios, é preferível se fazer uso dos grupos íntimos. »
R. E. 1861, p. 347 : «De resto, qualquer que seja a natureza da
reunião, quer seja numerosa ou não, as condições que deve preencher para
atender o objetivo são as mesmas ; é nisso que é preciso conduzir todos os
seus cuidados e, aqueles que o preencherem, serão fortes, porque terão
necessariamente o apoio dos bons Espíritos. Estas condições são comentadas no
Livro dos Médiuns nº 341.
Um capricho
bastante freqüente com alguns novos adeptos, é o de crer se passarem a mestres
após alguns meses de estudo. O Espiritismo é uma ciência imensa, como
sabem, e cuja experiência não se pode adquirir senão com o tempo, nisso
como em todas as coisas. Há nessa pretensão de não ter mais necessidade dos
conselhos de outrem e de se crer acima de todos, uma prova de insuficiência,
pois que fracassa em um dos preceitos primeiros da Doutrina : a modéstia e
a humildade. Quando os maus Espíritos encontram semelhantes disposições em
alguns indivíduos, eles não falham em os superexcitar, distrair e persuadir de
que somente eles possuem a verdade. É um dos escolhos que se pode encontrar, e
contra o qual creio dever prevenir, acrescentando que não é suficiente se
dizer Espírita para se dizer Cristão : é preciso prová-lo pela prática. »
R. E. 1865 p. 376 : « O Espiritismo, tendo por objetivo a
melhoria dos homens, não vem em absoluto buscar os que são perfeitos, mas
aqueles que se esforçam por se transformar colocando em prática os ensinos dos
Espíritos. O verdadeiro Espírita não é aquele que chegou ao objetivo, mas é
aquele que quer seriamente atingi-lo. Quaisquer que sejam então seus
antecedentes, ele será um bom espírita desde que reconheça suas imperfeições e
que seja sincero e perseverante em seu desejo de se corrigir. O Espiritismo é
para ele uma verdadeira regeneração, porque rompe com seu passado; indulgente
para com os outros como queria que o fossem para com ele, não sairá de sua boca
nenhuma palavra malevolente nem injuriosa para as pessoas. Aquele que em uma
reunião se afastar da conveniência provará não somente uma falta de saber-viver
e de urbanidade, mas uma falta de caridade; aquele que se melindra quando
contrariado em suas opiniões e pretende impor sua pessoa ou suas idéias, fará
prova de orgulho; ou, nem um nem o outro estará no caminho do verdadeiro
Espiritismo, isto é do Espiritismo Cristão. Aquele que crê ter uma opinião mais
justa que os outros a faria mais bem aceita pela doçura e pela persuasão; o
azedume seria um grande erro de sua parte.
R. E. 1865, p. 92 : « O Espiritismo não está apenas na crença
na manifestação dos Espíritos. O erro daqueles que o condenam é de crer que ele
não consiste senão na produção de fenômenos estranhos, e isso porque, não se
dando ao trabalho de estudá-lo, dele não vêem senão a superfície. Esses
fenômenos não são estranhos senão para aqueles que não lhes conhecem as causas,
mas qualquer um que os aprofunde, neles não vê senão os efeitos de uma lei, de
uma força da natureza que não se conhecia, e que, por isso mesmo, não são nem
maravilhosos, nem sobrenaturais. Esses fenômenos provando a existência dos
Espíritos, que não são outros senão as almas daqueles que viveram, provam, por
conseqüência, a existência da alma, sua sobrevivência aos corpos, a vida futura
com todas as suas conseqüências morais. A fé no porvir, encontrando-se apoiada
sobre as provas materiais, se torna inabalável, e triunfa da incredulidade. Eis
porque, quando o Espiritismo se tiver tornado a crença de todos, não haverá
mais nem incrédulos, nem materialistas, nem ateus. Sua missão é de combater a
incredulidade, a dúvida, a indiferença; não se dirige, pois, àqueles que têm
uma fé, e a quem essa fé satisfaz, mas àqueles que não crêem em nada, ou que
duvidam. Ele não diz à pessoa para abandonar a sua religião; respeita todas as
crenças quando elas são sinceras. A liberdade de consciência é a seus olhos um
direito sagrado; Se não a respeitasse, falharia em seu primeiro princípio que é
a caridade. Neutro em todos os cultos, ele será o lugar que os reunirá sob um
mesmo pavilhão, aquele da fraternidade universal; um dia todos se estenderão as
mãos, em lugar de se lançarem anátemas.
Os
fenômenos, longe de serem a parte essencial do Espiritismo, não são senão o
acessório, um meio suscitado por Deus para vencer a incredulidade que invade
a sociedade: essa parte está, sobretudo na aplicação de seus princípios
morais. É aí que se reconhecem os Espíritas sinceros. Os exemplos de
reforma moral, provocados pelo Espiritismo, são já bastante numerosos para que
se possa julgar os resultados que produzirá com o tempo. É preciso que sua
potência moralizadora seja bem grande para triunfar dos hábitos inveterados
pela idade, e da leviandade da juventude.
O efeito
moralizador do Espiritismo tem então por causa primeira o fenômeno das
manifestações que têm trazido a fé; se esses fenômenos fossem uma ilusão, como
o pretendem os incrédulos, seria preciso bendizer uma ilusão que dá ao homem a
força de vencer seus maus pendores.”
R. E. 1864, p. 141 : « A força do Espiritismo não reside na
opinião de um homem nem de um Espírito; ela está na universalidade do
ensinamento dado pelos últimos; o controle universal, como o sufrágio
universal, decidirá no porvir as questões litigiosas; fundirá a unidade da
Doutrina bem melhor do que um concílio de homens. Esse princípio, disso estamos
certos, senhores, fará o seu caminho, como fez o: Fora da Caridade não há
salvação, porque está fundamentado sobre a mais rigorosa lógica e na
abdicação da personalidade. Não poderá contrariar senão os adversários do
Espiritismo, e aqueles que não têm fé senão em suas luzes pessoais.”
R. E. 1864, p. 235 : « O Espiritismo é uma fé íntima; está no
coração e não nos atos exteriores, não prescreve nada que seja de natureza a
escandalizar aqueles que não compartilham dessa crença, recomendando disso se
abster por espírito de caridade e de tolerância.”
R. E. 1864, p. 100 : « Se a Doutrina Espírita fosse uma
concepção puramente humana, ela não teria por garantia senão as luzes daquele
que a houvesse concebido; ora, ninguém aqui neste mundo poderia ter a pretensão
de possuir sozinho a verdade absoluta. Se os Espíritos que a revelaram tivessem
se manifestado a um só homem, nada garantiria sua origem, porque se precisaria
crer, sob palavra, naquele que dissera ter recebido seu ensinamento.
Admitindo-se uma perfeita sinceridade de sua parte, ele poderia no máximo
convencer as pessoas de seu círculo: poderia fazer sectários, mas jamais teria
sucesso em reunir todo o mundo. Deus quis que a nova revelação chegasse aos
homens por uma via mais rápida e mais autêntica; é por isso que encarregou os
Espíritos de irem conduzi-la de um pólo ao outro, manifestando-se por toda
parte, sem dar a ninguém o privilégio exclusivo de escutar sua palavra...”
R. E. 1864, p. 101 : « Sabe-se os Espíritos, por causa da
diferença que existe em suas capacidades, estão longe de estar individualmente
de posse de toda a verdade; que não é dado a todos penetrar certos mistérios;
que seu saber é proporcional à sua depuração; que os Espíritos vulgares não
sabem mais que os homens, e mesmo menos que certos homens; que há entre eles,
como entre os últimos, os presunçosos e os pseudo-sábios que crêem saber aquilo
que não sabem; sistemáticos que tomam as suas idéias pela verdade... árbitros
da verdade. Em semelhante caso, que fazem os homens que não têm, neles mesmos,
uma confiança absoluta? Apegam-se à opinião de maior número, e a opinião da
maioria é seu guia. Assim deve-se ser com respeito aos ensinos dos Espíritos
que disso nos forneceram, eles mesmos, os meios.
A concordância
dos ensinamentos dos Espíritos é então o melhor controle; mas é preciso que ela
tenha lugar em certas condições. A menos certa de todas, é quando um médium
interroga, ele mesmo, a vários Espíritos sobre um ponto duvidoso; é bem
evidente, que se ele está sob o império de uma obsessão, e se estiver
influenciado por um Espírito enganador, esse Espírito pode lhe dizer a mesma
coisa sob nomes diferentes. Não há, não mais, uma garantia suficiente na
conformidade que podemos obter pelos médiuns de um só centro, porque eles podem
sofrer a mesma influência. A única garantia séria está na concordância que
existe entre as revelações feitas espontaneamente pela mediação de um grande
número de médiuns, estranhos uns aos outros, e em diversos países. Concebe-se
que não se trata aqui das comunicações relativas a interesses secundários, mas
daquelas que se relacionam aos princípios mesmos da Doutrina...
O primeiro
controle é, sem contradita, aquele da razão, à qual é necessário submeter, sem
exceção, tudo aquilo que venha dos Espíritos; toda teoria em contradição
manifesta com o bom senso, com uma lógica rigorosa, e com os dados positivos
que se possui, mesmo que seja assinada por nome respeitável, deve ser
rejeitada. Mas esse controle é incompleto em muitos casos, devido à
insuficiência de luzes de certas pessoas e da tendência, de muitos, de manter
seu próprio julgamento como árbitro único da verdade. A única garantia séria
está na concordância que existe entre as revelações feitas espontaneamente pela
mediação de um grande número de médiuns estranhos, uns aos outros, e em
diversos países.
Tal é a base sobre a qual nós nos apoiamos quando
formulamos um princípio da Doutrina; não é porque esteja de acordo com nossas
idéias que o damos como verdadeiro; não nos colocamos de nenhuma maneira como
árbitros superiores da verdade, e não dizemos a ninguém: Crê em tal coisa,
porque o dizemos. Aos nossos olhos, nossa opinião não é mais que uma
opinião pessoal, que pode ser certa ou falsa, porque não somos mais infalíveis
que ninguém. Não é mais porque um
princípio nos é ensinado que é para nós a verdade, mas porque recebeu a sanção
da concordância.”
R. E. 1864, p. 103 : « O controle universal é uma garantia para a
unidade futura do Espiritismo, e anulará todas as teorias contraditórias. É aí
que, no porvir, se buscará o critério da verdade. O que fez o sucesso da
Doutrina, formulada no Livro dos Espíritos e no Livro dos Médiuns,
é que, por toda parte, cada um pode receber diretamente dos Espíritos a
confirmação daquilo que eles contém. Se, de todas as partes, os Espíritos
tivessem vindo contradizê-los, esses livros teriam depois de muito tempo tido a
sorte de todas as concepções fantásticas. Mesmo o apoio da imprensa não os
teria salvado do naufrágio, enquanto que, privados desse apoio, não fizeram um
caminho menos rápido porque tiveram o apoio dos bons Espíritos cuja boa vontade
compensou, e ultrapassou, a má vontade dos homens. Assim o será de todas as idéias emanadas dos
Espíritos e dos homens, que não puderem suportar a prova desse controle, do
qual ninguém pode contestar o poder. »
R. E.
1859, p. 176 : « Os
Espíritos são aquilo que são, e não podemos mudar a ordem das coisas ; não
sendo todos perfeitos, não aceitamos suas palavras senão sob análise e não
com a credulidade das crianças ; julgamos, comparamos, tiramos as
conseqüências de nossas observações, e mesmo seus erros são para nós
ensinamentos, porque não fazemos abnegação de nosso discernimento.
Essas observações se aplicam
igualmente a todas as teorias científicas que os Espíritos possam dar. Seria
muito cômodo ter apenas que os interrogar para encontrar a ciência toda feita,
e para possuir todos os segredos industriais : não adquirimos a ciência
senão ao preço do trabalho e das pesquisas ; sua missão não é de nos
livrar desta obrigação. Sabemos aliás, que não somente nem todos não sabem
tudo, mas que há entre eles, como entre nós, falsos sábios, que crêem saber
aquilo que não sabem, e falam daquilo que ignoram com o mais imperturbável
desembaraço. Um Espírito poderia então dizer que é o Sol que gira e não a
Terra, e sua teoria não seria mais verdadeira porque viria de um Espírito. Que
aqueles que nos supõem uma credulidade assim pueril, saibam pois que temos toda
opinião exprimida por um Espírito por uma opinião individual ; que não a
aceitamos senão depois de a haver submetido ao controle da lógica e dos meios
de investigação que a própria ciência Espírita nos forneceu. »
R. E. 1859, p. 178 : « Nossos estudos nos ensinam que o mundo
invisível que nos cerca reage constantemente sobre o mundo visível ; no-lo
mostram como uma das forças da Natureza ; conhecer os efeitos desta força
oculta que nos domina e nos subjuga com nosso desconhecimento, não é ter a
chave de mais um problema, a explicação de uma multidão de fatos que passam
desapercebidos ? Se esses efeitos podem ser funestos, conhecer a causa do
mal, não é ter um meio de se prevenir, como o conhecimento das propriedades da
eletricidade nos tem dado o meio de atenuar os efeitos desastrosos do
raio ? Se então sucumbirmos, não poderemos nos queixar senão de nós
mesmos, porque não teremos a ignorância por desculpa. O perigo está no império
que os maus Espíritos impõem sobre os indivíduos, e esse império não é somente
funesto do ponto de vista dos interesses da vida material. A experiência nos
ensina que jamais é impunemente que alguém se abandona à sua dominação ;
porque suas intenções não podem nunca ser boas. Uma de suas táticas para chegar
a seus fins, é a desunião, porque sabem muito bem que poderão facilmente tirar vantagens
daquele que está privado de apoio ; também, seu primeiro cuidado, quando
querem se apoderar de alguém, é sempre o de lhe inspirar a desconfiança e a
antipatia por quem possa desmascará-lo com esclarecimentos, por conselhos
salutares. Uma vez senhores do terreno, podem, a seu gosto, fasciná-lo com
promessas sedutoras, subjugá-lo lisonjeando suas inclinações, aproveitando para
isso todos os pontos fracos que encontram, para melhor fazê-lo sentir em
seguida a amargura das decepções, afligi-lo em suas afeições, humilhá-lo em seu
orgulho, e, freqüentemente, elevá-lo por um momento senão para o precipitar de
mais alto. »
Para se prevenir
contra tais perigos, Allan Kardec nos dá o seguinte sábio conselho :
R. E. 1859, p. 180 : « Direi primeiro que, segundo o seu
conselho – o conselho de seus Guias – Eu não aceito jamais nada sem exame e
sem controle ; não adoto uma idéia a não ser que ela me pareça
racional, lógica, se está de acordo com os fatos e as observações, se nada de
sério a vem contradizer. Mas meu julgamento não poderia ser um critério
infalível ; o consentimento que tenho encontrado junto de uma multidão de
gente mais esclarecida do que eu, é para mim uma primeira garantia ;
encontro uma outra, não menos preponderante, no caráter das comunicações que me
têm sido feitas desde que me ocupo com o Espiritismo ; jamais, posso
dizê-lo, escapou uma única dessas palavras, um só desses sinais pelos quais se
traem os Espíritos inferiores, mesmo os mais astuciosos ; jamais
dominação ; jamais conselhos equivocados ou contrários à caridade e à
benevolência, jamais prescrições ridículas ; longe disso, não encontrei
neles senão pensamentos grandes, nobres, sublimes, isentos de pequenez e
mesquinharia ; em uma palavra, suas
relações comigo, nas menores, como nas maiores coisas, têm sido sempre
tais que, se tivesse sido um homem que me houvesse falado, eu o teria pelo
melhor, o mais sábio, o mais prudente, o mais moral e o mais iluminado. Eis,
senhores, os motivos de minha confiança, corroborada pela identidade de ensinamento
dado à uma multidão de outras pessoas, antes e depois da publicação de minhas
obras... »
R. E. 1859, p. 182 : « Pode-se diferir de opinião sobre pontos da
ciência sem se morder e se atirar pedras ; é mesmo muito pouco digno e
muito pouco científico fazê-lo. Busque de seu lado como buscamos do
nosso ; o porvir dará razão àquele de direito. Se nos enganamos, não
tenhamos o tolo amor-próprio de nos obstinar com idéias falsas ; mas há
princípios sobre os quais se está certo de não se enganar : são o amor do
bem, a abnegação, a abjuração de todo sentimento de inveja e ciúme ; esses
princípios são os nossos, e com esses princípios pode-se sempre simpatizar sem
se comprometer ; é o laço que deve unir todos os homens de bem, qualquer
que seja a divergência de suas opiniões : somente o egoísmo coloca entre
eles uma barreira intransponível. »
R. E. 1859, p. 183 : « Onde quer que chegue, minha vida está
consagrada à obra que empreendemos, e serei feliz se meus esforços puderem
ajudar a fazê-la entrar na via séria que é sua essência, a única que poderá
assegurar seu porvir. O objetivo do Espiritismo é de fazer melhores aqueles
que o compreendem ; tratemos de dar o bom exemplo e de mostrar que,
para nós, a Doutrina não é letra morta ; em uma palavra sejamos dignos
dos bons Espíritos, se queremos que os bons Espíritos nos assistam. O bem é
uma couraça contra a qual virão sempre se quebrar as armas da
malevolência. »
R. E. 1865, p. 66 : « As idéias do homem são em razão do que ele
sabe ; como em todas as descobertas importantes, as da construção dos
mundos deveu dar-lhe um outro curso. Sob o império desses novos conhecimentos,
as crenças devem se modificar ; o céu foi transferido. A região das
estrelas sendo sem limites não pode mais lhe servir. Onde ele está ?
Diante desta questão, todas as religiões permanecem mudas. O Espiritismo vem
resolvê-la demonstrando o verdadeiro destino do homem. A natureza deste último,
e os atributos de Deus sendo tomados por ponto de partida, se chega à
conclusão.
O homem é composto do corpo e do
Espírito, o Espírito é o ser principal, o ser da razão, o ser
inteligente ; o corpo é o envelope material que reveste temporariamente o
Espírito para o cumprimento de sua missão sobre a Terra e a execução do
trabalho necessário ao seu avanço. O corpo usado se destrói, e o Espírito sobrevive à sua destruição. Sem o Espírito, o
corpo não é senão uma matéria inerte, como um instrumento privado do braço que
o faz agir ; no corpo, o Espírito é tudo : a vida e a inteligência.
Deixando o corpo, ele reentra no mundo espiritual de onde tinha saído para se
encarnar.
Há então o mundo corpóreo
composto dos Espíritos encarnados e o mundo espiritual formado dos
Espíritos desencarnados. Os Espíritos são criados simples e ignorantes, mas com
a aptidão de tudo adquirir e a progredir em virtude de seu livre-arbítrio. Pelo
progresso, adquirem novos conhecimentos, novas faculdades, novas percepções, e,
em conseqüência, novos gozos desconhecidos aos Espíritos inferiores ; eles
vêem, ouvem, sentem e compreendem o que os Espíritos atrasados não podem nem
ver, nem ouvir, nem sentir, nem compreender. A felicidade está em razão do
progresso alcançado ; de sorte que, de dois Espíritos, um pode não estar
tão feliz quanto o outro, unicamente porque não é tão avançado intelectualmente
e moralmente, sem que tenham necessidade de estar cada um num lugar distinto.
Ainda que estando ao lado um do outro, um pode estar nas trevas, ao passo que
tudo é resplendente ao redor do outro, absolutamente como para um cego e um
vidente que se dão a mão ; um percebe a luz, que não faz nenhuma impressão
sobre seu vizinho. A felicidade dos Espíritos sendo inerente às qualidades que
possuem, eles a haurem por toda parte onde se encontrem, na superfície da
Terra, no meio dos encarnados ou no espaço. »
R. E. 1865, p. 37 : « A Doutrina Espírita muda inteiramente a
maneira de encarar o porvir. A vida futura não é mais uma hipótese, mas uma
realidade ; o estado das almas após a morte não é mais um sistema, mas um
resultado da observação. O véu foi levantado ; o mundo invisível nos
aparece em toda sua realidade prática ; não são os homens que o
descobriram por esforço de uma concepção engenhosa, foram os próprios
habitantes desse mundo que vieram nos descrever sua situação, nós os vemos em todos
os gráus da escala espiritual, em todas as fases de felicidade ou de
infelicidade ; assistimos à todas as peripécias da vida de além-túmulo. Aí
está para os Espíritas a causa da calma
com a qual eles encaram a morte, a serenidade de seus derradeiros
instantes sobre a Terra. O que os sustenta, não é somente a esperança, é a
certeza ; sabem que a vida futura não é senão a continuação da vida
presente em melhores condições, e a esperam com a mesma confiança que esperam o
alvorecer do Sol depois de uma noite de tempestade. Os motivos desta confiança
estão nos fatos de que são testemunhas, e na concordância desses fatos com a
lógica, a justiça e a bondade de Deus, e as aspirações íntimas do homem. »
R. E. 1865 p. 41 : « O Espiritismo não se afastará da verdade, e
não terá nada a temer das opiniões contraditórias, uma vez que sua teoria
científica e sua doutrina moral são uma dedução dos fatos escrupulosamente e
conscienciosamente observados, sem preconceitos nem sistemas preconcebidos. É
diante de uma observação mais completa que todas as teorias prematuras e
arriscadas, eclodidas na origem dos fenômenos espíritas modernos, caíram, e
vieram se fundir na imponente unidade que existe hoje, e contra a qual não se
vêem mais senão raras indivídualidades que diminuem todos os dias. As lacunas
que a teoria atual pode ainda encerrar se completarão da mesma maneira. O
Espiritismo está longe de haver dito sua última palavra, quanto às suas
conseqüências, mas está inabalável nesta base, porque esta base se assenta
sobre os fatos.
Que os Espíritas fiquem pois sem
receio : o porvir é para eles ; que eles deixem seus adversários se
debater sob o peso da verdade que os ofusca, porque toda negação é impotente
contra a evidência que triunfa inevitavelmente pela força das coisas. É uma questão
de tempo, e neste século o tempo caminha a passos de gigante sob o impulso do
progresso. »
R. E. 1868, p. 209 : « O Espiritismo, por sua natureza e seus
princípios, é essencialmente pacífico ; é uma idéia que se infiltra sem
ruído, e se encontra numerosos adeptos, é porque agrada ; jamais fez
declamações, nem propaganda, nem qualquer encenação ; forte pelas leis
naturais sobre as quais se apóia, se vê crescer sem esforços nem abalos, não
vai atrás de ninguém ; não violenta nenhuma consciência ; diz aquilo que é, e espera que venham a ele. Todo
o ruído que é feito ao seu redor é obra de seus adversários ; se é atacado, deve se defender, mas sempre o fez
com calma, moderação e apenas pelo raciocínio, jamais se afastou da dignidade
que é própria de toda causa que tem a consciência de sua força moral ;
jamais usou de represálias restituindo injúrias com injúrias, maus
procedimentos com maus procedimentos. Não é esse, convenhamos, o caráter
ordinário dos partidos inquietos por natureza, fomentando a agitação, e a quem
tudo é bom para atingir aos seus fins ? Mas desde que lhe demos este nome
– de partido – o aceita, certo que não o desonrará por nenhum excesso ;
porque repudiaria qualquer um que disso se prevalecesse para suscitar o menor
problema.
O Espiritismo prosseguia em sua rota
sem provocar nenhuma manifestação pública, aproveitando totalmente a
publicidade que lhe davam seus adversários ; quanto mais sua crítica fosse
zombeteira, acerba, virulenta, mais excitava a curiosidade daqueles que não o
conheciam, e que, para saber que opinião se ter sobre essa, assim dizendo, nova
excentricidade, iam simplesmente se informar na fonte, isto é, nas obras
especiais ; se estudava, e se encontrava totalmente outra coisa que não
aquilo que se estava pretendendo dele dizer. É um fato notório que as
declamações furiosas, os anátemas e as perseguições ajudaram fortemente à sua
propagação, porque, em lugar de dissuadir, provocavam o exame, não fosse isso
que atrai um fruto defendido. As massas têm sua lógica ; dizem que se uma
coisa nada fosse, dela não se falaria, e medem sua importância precisamente
pela violência dos ataques de que são objeto e pelo esforço que causa a seus
antagonistas. »
P, E. 1866, p. 114 : « Inscrevendo no frontispício do
Espiritismo a lei suprema do Cristo, abrimos a via do Espiritismo Cristão ;
fomos pois instituídos a lhe desenvolver os princípios, como também os
caracteres do verdadeiro Espírita sob esse ponto de vista. Que outros possam
fazer melhor do que nós, não iremos contra, porque jamais dissemos :
« Fora de nós não há verdade ».
Nossas instruções sendo pois para aqueles que as acham boas, são aceitas
livremente, e traçamos uma rota sem restrições, segue-a quem quer ; damos
conselhos àqueles que no-los pedem, e não àqueles que crêem poder
dispensá-los ; não impomos nada a ninguém, não temos qualidade para isso.
Quanto
à supremacia, ela é toda moral, e na adesão dos que partilham nossa maneira de
ver, não somos investidos, por isso mesmo, de nenhum poder oficial, não
solicitamos nem reinvindicamos nenhum privilégio ; não nos concedemos
nenhum título, e o único que tomamos com os partidários de nossas idéias é
aquele de irmão em crença ; se nos consideram como seu chefe, é em
conseqüência da posição que nos dão nosso trabalho e não em virtude de uma
decisão qualquer. Nossa posição é aquela que cada um podia ter antes de
nós ; nosso direito, aquele que todo mundo tem de trabalhar como entende e
de correr o risco do julgamento público. »
R. E. 1866, p. 299 : « Ele não disse : Fora do Espiritismo
não há salvação, mas com o Cristo : Fora da caridade não á salvação,
príncípio de união, de tolerância, que unirá os homens dentro de um sentimento
de fraternidade, em lugar de os dividir em seitas inimigas. Por este outro
princípio : Não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão
face a face, em todas as épocas da humanidade, ele destrói o império da fé
cega que aniquila a razão, da obediência passiva que embrutece ; ele
emancipa a inteligência do homem e levanta sua moral. »
R. E. 1868, p. 377 : « Acrescentamos que a tolerância,
conseqüência da caridade, que é a base da moral espírita, lhe fez como dever
respeitar todas as crenças. Querendo ser aceito livremente por convicção e não
por contrição, proclamando a liberdade de consciência como um direito natural
imprescindível, disse : Se tenho razão, os outros acabarão por pensar
como eu ; se estiver errado, acabarei por pensar como os outros. Em
virtude desses princípios, não lançando pedra em ninguém, não dará nenhum
pretexto a represálias, e deixará aos dissidentes toda a responsabilidade de
suas palavras e de seus atos. »
Os amigos desastrados
R. E. 1863, p. 74 : « Dessa forma, se ninguém pode deter a marcha
geral do Espiritismo, são as circunstâncias que lhe podem trazer entraves parciais,
como uma pequena barragem que pode diminuir o curso de um rio sem o impedir de
escoar. Dessa espécie são os passos inconsiderados de certos adeptos, mais
zelosos que prudentes, que não calculam bem a importância de seus atos ou de
suas palavras ; por isso produzem sobre as pessoas ainda não iniciadas na
Doutrina uma impressão desfavorável, bem mais própria a afastá-los-los que as
diatribes dos adversários. O Espiritismo está, sem dúvida, muito difundido, mas
o seria ainda mais se todos os adeptos tivessem sempre escutado os conselhos da
prudência, e soubessem se colocar em uma sábia reserva. É preciso, sem dúvida,
ter em conta a intenção, mas é certo que mais de um tem justificado o
provérbio : Mais vale um inimigo declarado do que um amigo desastrado. O pior disto, é fornecer as
armas aos adversários que habitualmente sabem explorar uma falta de jeito. Não
seria pois excessivo recomendar aos Espíritas para refletir maduramente antes
de agir, em tal caso, manda a prudência o não referir-se à sua opinião pessoal.
Hoje, que de todos os lados se formam grupos ou sociedades, nada é mais simples
que se harmonizar antes de agir. O verdadeiro Espírita, não tendo em vista
senão o bem da coisa, sabe fazer abnegação do amor-próprio ; crer em sua
própria infalibilidade, recusar se render à opinião da maioria e persistir em
um caminho que se demonstra mau e comprometedor, não é a postura um verdadeiro
Espírita ; isto seria fazer prova de orgulho se não for de fato uma
obsessão. »
Allan Kardec não
pára de nos colocar em guarda contra as comunicações de certas categorias de
Espíritos e nos recomenda a cada instante a sempre passar todos os seus ditados
pelo cadinho da consciência e da razão.
R. E. 1863, p. 75 : « Esses falsos sábios falam de tudo,
reavivando os sistemas, criando utopias, ou ditando as coisas mais excêntricas,
e ficam felizes de encontrar intérpretes complacentes e crédulos que aceitem
suas elocubrações de olhos fechados. Esse tipo de publicações são
inconvenientes muito graves, porque o médium, tendo enganado a si mesmo,
seduzido mais freqüentemente por um nome apócrifo, as dá como coisas sérias ; do que a crítica se
apodera com empenho para denegrir o Espiritismo, ao passo que, com menos
presunção, seria suficiente tomar conselhos de seus colegas para ser
esclarecido. É muito raro que, nesse caso, o médium não ceda à injunção de um
Espírito que quer - ai de mim ! - como certos homens, de qualquer
modo ser imprimido; com mais experiência , saberia que os Espíritos
verdadeiramente superiores aconselham, mas não se impõem nem nunca se
jactanciam, e que toda prescrição imperiosa é um sinal suspeito. »
R. E. 1863, p. 159 : « Não se saberia pois, em relação à
publicidade, trazer muita circunspecção, nem calcular com suficiente cuidado o
efeito que pode ser produzido sobre o leitor. Em resumo, é um grave erro o se
crer obrigado a publicar tudo que dizem os Espíritos, porque se os há bons e
iluminados, os há maus e ignorantes ; é importante fazer uma escolha muito
rigorosa de suas comunicações e de descartar tudo que é inútil, insignificante,
falso ou de natureza a produzir uma má impressão. É preciso semear, sem
dúvida, mas semear os bons grãos e no momento oportuno.
É nesse tipo de trabalho medianímico que notamos mais os sinais de
obsessão, dos quais um dos mais freqüentes é a injunção da parte do Espírito de
os fazer imprimir, e mais de um pensa erradamente que esta recomendação é
suficiente para encontrar um editor empenhado de se encarregar disso. »
R. S. 1863, p. 158 : « Em toda obra mediúnica, convém primeiramente
descartar tudo aquilo que, sendo de interesse privado, não interessa senão
àquele que lhe concerne ; depois, tudo aquilo que é vulgar pelo estilo
dos pensadores, ou pueril pelo assunto ; uma coisa pode ser excelente em
si mesma, muito boa para fins de instrução pessoal, mas aquilo que deve chegar
ao público exige condições especiais ; infelizmente, o homem está
inclinado a imaginar que tudo aquilo que lhe agrada deve agradar aos
outros ; o mais hábil pode se enganar, o que importa de tudo é se enganar
o menos possível. Há Espíritos que se aprazem em manter essa ilusão junto a
certos médiuns : é por isso que não seria excessivo recomendar a esses
últimos de não se render em absoluto a seu próprio julgamento, e é nisso que os
grupos são úteis, por causa da multiplicidade de pareceres que se permite
recolher ; aquele que, neste caso, recusasse a opinião da maioria, crendo
ter mais luzes que todos, provaria superabundantemente a má influência sob a
qual se encontra. »
R. E. 1864, p. 323 : « É um fato constatado que o Espiritismo é
mais entravado por aqueles que o compreendem mal do que por aqueles que não o
compreendem de todo, e mesmo por seus inimigos declarados ; e é de se
notar que aqueles que o compreendem mal têm geralmente a pretensão de o compreender
melhor do que os outros ; não é raro de ver novatos pretender , no fim de
alguns meses, admoestar àqueles que têm experiência, por eles adquirida por
estudos sérios. Essa pretensão, que trai o orgulho, é ela mesma uma prova
evidente da ignorância dos verdadeiros princípios da Doutrina. »
A um amador, muito crédulo, que se acreditava iludido por um médium
assalariado, e que pedira a Allan Kardec
que o entregasse à justiça dos homens, à espera que fosse punido pela de Deus,
o Mestre respondeu :
R. E. 1865, p. 88 : « Lamento que você tenha podido pensar
que eu serviria, no que quer que seja, a seus desejos vingativos, tomando
providências para levar os culpados à justiça. Isto sendo, você se equivoca
singularmente sobre meu papel, meu caráter e minha compreensão dos verdadeiros
interesses do Espiritismo. Se você é realmente, como você o diz, meu irmão em
Deus, creia-me, implore Sua clemência e não Sua cólera ; porque aquele que
chama essa cólera sobre outro, corre o risco de a fazer cair sobre si mesmo. »
R. E. 1869, p. 354 : « Esses fenômenos, trazidos à moda pelo
atrativo da curiosidade, se tornaram uma diversão, e tentaram a cupidez das
gentes sob o pretexto de que isso seria novidade, na esperança de encontrar uma
porta aberta. As manifestações pareciam uma matéria maravilhosamente
explorável, e mais de um sonhava em se fazer um auxiliar de tal
indústria ; outros viam uma variante da arte de advinhação, um meio talvez
mais seguro que a cartomancia, a borra de café, etc..., para conhecer o porvir
e descobrir as coisas ocultas, porque, segundo a opinião de então, os Espíritos
deviam tudo saber.
Desde que essa gente viu que a
especulação escorregava de suas mãos e tendia à mistificação, que os Espíritos
não vinham lhes ajudar a fazer fortuna, lhes dar os bons números de loteria,
lhes ler a sorte verdadeira, lhes fazer descobrir tesouros ou recolher as
heranças, lhes dar qualquer uma boa invenção frutuosa e patenteável,
suplementar à sua ignorância e lhes dispensar de todo trabalho intelectual e material,
então os Espíritos não serviriam para nada, suas manifestações não seriam senão
ilusões. Da mesma forma que eles haviam promovido o Espiritismo, enquanto
que eles tiveram a esperança de lhe retirar um lucro qualquer, da mesma forma o
denegriram quando veio o desapontamento. Mais de um crítico que o escarneceu o
retrataria nas nuvens se lhe houvesse feito descobrir um tio na América ou
ganhar na Bolsa. »
R. E. 1866, p. 78 : « Diremos primeiramente que o Espiritismo não
podia ser responsável pelos indivíduos que tomam indevidamente a qualidade de
médium, não mais que a ciência verdadeira não é responsável pelos
escamoteadores que se dizem físicos. Um charlatão pode pois dizer que opera com
a ajuda de Espíritos, como um prestidigitador diz que opera com a ajuda
psíquica ; é um meio, como outro,
de lançar poeira aos olhos ; tanto pior para os que nisto se deixam
prender. Em segundo lugar, o Espiritismo, condena a exploração da mediunidade,
como contrária aos princípios da Doutrina do ponto de vista moral, e
demonstrando que não deve nem pode ser um ofício nem uma profissão ; todo
médium que não tire de sua faculdade algum lucro direto ou indireto, ostensivo
ou dissimulado, descarta, por isso mesmo, até a suspeição de trapaça ou
charlatanismo ; desde que não seja solicitado por algum interesse
material, o malabarismo seria sem propósito. O médium que compreende o que há
de grave e de sagrado em um dom dessa natureza, creria profaná-lo, ao faze-lo
servir às coisas mundanas para si e para os outros, ou se dele fizesse um
objeto de divertimento e de curiosidade ; respeita os Espíritos como
quereria que se o respeitasssem quando se tornar um Espírito, e não os
colocaria em ostentação. Por outro lado, sabe que a mediunidade não pode ser um
meio de adivinhação ; que ela não pode descobrir os tesouros, as heranças,
nem facilitar o êxito nas chances aleatórias, e não lê a sorte, nem por
dinheiro nem por nada ; então ela não terá jamais de desembaraçar com a
justiça. Quanto à mediunidade de cura, ela existe, isto é certo ; mas está
subordinada a condições restritas, que excluem a possibilidade de se ter uma
sala aberta às consultas, e sem suspeita de charlatanismo, é uma obra de
devotamento e sacrifício, e não de especulação. Exercida com desinteresse,
prudência e discernimento, e encerrada nos limites traçados pela Doutrina, ela
não pode cair sob o golpe da lei.
Em resumo, o
médium, segundo os objetivos da Providência e do Espiritismo, quer seja artesão
ou príncipe, porque dela há no palácio e nas choupanas, recebeu um mandato que
cumpre religiosamente e com dignidade ; não vê em sua faculdade senão um
meio de glorificar Deus e de servir a
seu próximo, e não um instrumento para servir seus interesses ou satisfazer sua
vaidade ; se faz estimar e respeitar por sua simplicidade, sua modéstia e
sua abnegação, o que não é o fato com aqueles que procuram dela fazer um
degrau. »
R. E. 1867, p. 300 : « O desinteresse material, que é um dos
atributos essenciais da mediunidade curadora, será também uma das condições da
medicina medianímica ? Como então conciliar as exigências da profissão com
uma abnegação absoluta ? Isto demanda algumas explicações, porque não é a
mesmo caso.
A faculdade do médium curador não
lhe custou nada ; não exigiu dele nem estudo, nem trabalho, nem despesas ;
ele a recebeu gratuitamente para o bem de outro, e deve usá-la gratuitamente.
Como precisa antes de tudo viver, se não
tem, por si mesmo, recursos que o faça independente, deve procurar os meios no
seu trabalho ordinário, como o havia feito antes de conhecer a
mediunidade ; ele não dá ao exercício de sua faculdade senão o
tempo que lhe pode consagrar. Se toma esse tempo de seu repouso, e se
emprega, para se tornar útil a seus semelhantes, o que seria consagrado às
distrações mundanas, é por devotamento
verdadeiro, e disso não tem senão mais mérito. Os Espíritos não lhe pedem mais,
e não exigem nenhum sacrifício não razoável. Não se poderia considerar como
devoção e abnegação o abandono de seu ‘status’ para se entregar a um trabalho
menos penoso e mais lucrativo. Na proteção que lhe concedem, os Espíritos, aos
quais não se pode se impor, sabem perfeitamente distinguir os devotamentos
reais dos devotamentos fictícios. »
Fraudes Espíritas
R. E. 1859, p. 94 : « De que há charlatães que vendem drogas
em praças públicas, de que há mesmo médicos que, sem ir à praça pública,
enganam a confiança alheia, se segue que todos os médicos são chalatães, e o
corpo médico nisso seja atingido em nossa consideração ? De que há gente que vende a tintura por
vinho, se segue que todos os vendedores de vinho são fraudadores e que não há
nenhum vinho puro ? Se abusa de tudo, mesmo das coisas mais respeitáveis,
e pode-se dizer que a fraude também tem o seu gênio. Mas a fraude tem sempre um
propósito, um interesse material qualquer ; onde não há nada a ganhar, não
há nenhum interesse a enganar. Também dissemos, a propósito dos médiuns
mercenários, que a melhor de todas as garantias é um desinteresse
absoluto. »
R. E. 1869, p. 42 : « Estigmatizando a especulação, como nós o temos
feito, temos a certeza de ter preservado a Doutrina de um verdadeiro perigo,
perigo maior que a má vontade de seus antagonistas confessos, porque dela não
restaria nada menos que seu descrédito ; por isso mesmo, ela lhes teria
oferecido um lado vulnerável, no entanto têm se detido ante a pureza de seus
princípios. Não ignoramos que temos suscitado contra nós a animosidade dos
especuladores, e que temos alienado seus participantes ; mas que nos
importa ! Nosso dever é de manter sob mão a causa da Doutrina e não os
interesses deles; e esse dever, nós o cumpriremos com perseverança e
firmeza até o fim. »
R. E. 1864, p. 78 : « Mas não é somente contra a cupidez que os
médiuns devem se manter em guarda ; como os há em todas as faixas da
sociedade, a maior parte está sob essa tentação ; mas há um outro perigo, de outro modo bem
grande, porque todos lhe estão expostos, que é o orgulho, onde se perde o maior
número ; é contra esse escolho que as mais belas faculdades vêm
freqüentemente se quebrar. O desinteresse material é sem proveito se não
estiver acompanhado do mais completo desinteresse moral. Humildade,
devotamento, desinteresse e abnegação são as qualidades do médium amado pelos
bons Espíritos. »
R. E. 1867, p. 8 : « É preciso se figurar que estamos em guerra,
que os inimigos estão à nossa porta, prestes a segurar a ocasião favorável, e
que dirigem as inteligências no local.
Nesta circunstância, que há a
fazer ? Uma coisa bastante simples : se restringir estritamente
dentro do limite dos preceitos da Doutrina : se esforçar em demonstrar o
que ela é por seu próprio exemplo, e declinar toda solidariedade com aquilo que
poderia ser feito em seu nome que fosse de natureza a desacreditá-la, porque
isso não costuma ser o feito de adeptos sérios e convictos. Não basta se
dizer Espírita : aquele que o é de coração o prova por seus atos. A
Doutrina, não pregando senão o bem, o respeito às leis, a caridade, a
tolerância e a benevolência com todos ; repudiando toda violência feita à
consciência do outro, todo charlatanismo, todo pensamento interesseiro no que
concerne às relações com os Espíritos, e toda coisa contrária à moral
evangélica, aquele que não se afasta da linha traçada não pode incorrer em
nenhuma censura justa, ou demandas legais ; bem mais que isso, quem toma a
Doutrina por regra de conduta, não pode senão se conciliar à estima e à
consideração das pessoas imparciais ; diante do bem, até mesmo a
incredulidade zombeteira se inclina, e a calúnia não pode sujar aquele que é
sem mancha.. É dentro dessas condições que o Espiritismo atravessará os
temporais que se amontoam sobre sua rota e que sairá triunfante de todas as
lutas. »
R. E. 1864, p. 5 : « A situação do Espiritismo em 1863 pode
se resumir assim : ataques violentos, multiplicação dos escritos contra e
a favor ; movimentação das idéias, expansão notável da Doutrina, mais
sinais exteriores de natureza a produzir uma sensação geral, as raízes se
extendem, produzem brotos, à espera de que a árvore desdobre seus ramos. O
momento de sua maturidade ainda não chegou. »
R. E. 1864, p. 3 : « A moderação dos Espíritas é o que assombra e
contraria mais seus adversários ; tentarão tudo para os fazer dela sair,
mesmo a provocação ; mas saberão frustar essas manobras por sua prudência,
como já fizeram em mais de uma ocasião, e não caíram nas ciladas que se lhes
prepararam ; verão, aliás, os instigadores se prenderem em seus próprios
laços, porque é impossível que cedo ou tarde não revelem seus propósitos. Este
é um momento mais difícil de passar do que aquele da guerra aberta, onde se vê
o inimigo face à face : mas por mais rude seja prova, maior será o
triunfo.
De resto, essa campanha teve um
imenso resultado, o de provar a impotência das armas dirigidas contra o
Espiritismo ; os homens mais capazes do partido oposto entraram em
liça ; todos os recursos de argumentação têm sido desdobrados, e, o
Espiritismo nada tendo sofrido, cada um saiu convicto de que não se poderia lhe
opor nenhuma razão peremptória, e a maior prova da penúria de boas razões é que
se recorreu ao triste e ignóbil recurso da calúnia ; mas aparentando uma
boa vontade, pretendeu-se que o Espiritismo dissesse o contrário daquilo que
ele diz : a Doutrina está lá, escrita em termos tão claros que desafiam
toda falsa interpretação, é assim que a odiosidade da calúnia recai sobre
aqueles que a empregam e os convence da sua impotência. »
R E. 1864, p. 198 : « A oposição que se faz a uma idéia está
sempre em razão de sua importância ; se o Espiritismo tivesse sido uma
utopia, dele não se teria ocupado mais do que de tantas outras teorias ; a
animosidade da luta é um índice certo que se o toma a sério. Mas se há luta
entre o Espiritismo e o clero, a história dirá quem têm sido os agressores. Os
ataques e as calúnias de que tem sido objeto o forçaram a devolver as armas que se lhe lançaram e
mostrar o lado vulnerável de seus adversários. Isto, importunando-os, detiveram
sua marcha ? Não, este é um fato aceito. Se os tivéssemos deixado quietos,
o nome mesmo do clero não teria sido pronunciado, e talvez eles tivessem ganho.
Atacando-os em nome dos dogmas da Igreja, foram forçados a discutir o valor das
objeções, e por isso mesmo a entrar num terreno que não tinham a intenção de
abordar. A missão do Espiritismo é de combater a incredulidade pela evidência
dos fatos, de conduzir a Deus aqueles que o desconhecem, de provar o porvir
àqueles que não crêem em nada ; por que então a Igreja joga anátemas
àqueles a quem ele dá essa fé, ainda mais quando não criam em nada ?
Rejeitar aqueles que crêem em Deus e em sua alma, é constrangê-los a procurar
um refúgio fora da Igreja. Quem, primeiramente, proclamou que o Espiritismo era
um nova religião, com seu culto e seus padres, senão os clérigos ? Onde
você vê, até o presente, o culto e os padres do Espiritismo ? Se algum dia
se tornar uma religião, é o clero quem o terá provocado. »
Não tendo o auto de fé de Barcelona
saciado o ódio do clero contra o Espiritismo e os Espíritas, a Congregação de
Roma colocou no index O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns,
e A Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo. Longe de se
entristecer com esta nova prova de intolerância clerical, Allan Kardec se
alegrou :
R. E. 1864, p. 217 : « Qualquer que seja a razão, os livros
espíritas foram colocados no index. Tanto melhor ! Porque muitos daqueles
que ainda não os leram os devorarão ; tanto melhor ! Porque de dez
pessoas que os folhearem, pelo menos sete ficarão convencidas, ou fortemente
abaladas e desejosas de estudar os fenômenos espíritas ; tanto
melhor ! Porque nossos adversários mesmos, vendo que seus esforços não
chegam senão a resultados diametralmente contrários aos que esperavam, se
reunirão a nós, se possuem a sinceridade, o desinteresse e as luzes que seu
ministério comporta. Assim o quer aliás a lei de Deus, nada no mundo pode permanecer
eternamente estacionário, mas tudo progride, e a idéia religiosa deve seguir
o progresso geral se não quiser desaparecer. »
R. E. 1865, p. 187 : « Jamais uma Doutrina filosófica dos
tempos modernos causou tanto comoção quanto o Espiritismo, jamais alguma tem
sido atacada com tanta animosidade ; esta a prova evidente de que se lhe
reconhece mais vitalidade e raízes mais profundas que às outras, porque não se
pega um enxadão para se arrancar uma haste de erva. Os Espíritas, longe de se
espantarem, devem se alegrar, pois isso prova a importância e a verdade da
Doutrina. Se ela não fosse senão uma idéia efêmera e sem consistência, uma
mosca que voa, não se lhe atiraria projéteis de artilharia ; se fosse
falsa, se lhe bateria intensamente com argumentos sólidos que teriam já
triunfados ; mas desde que nenhum daqueles que se lhe opuseram, a puderam
deter, é porque ninguém encontrou defeito na couraça ; não foi no entanto
nem o talento nem a boa vontade que faltaram a seus antagonistas. »
R. E. 1864, p. 190 : « O Espiritismo marcha através numerosos
adversários que, não o tendo podido pegar pela força, tentam pegá-lo pela
astúcia ; eles se insinuam por toda parte, sob todas as máscaras, e até
nas reuniões íntimas, na esperança de surpreender um fato ou uma palavra que
freqüentemente eles houveram provocado, e que esperam explorar em seu
benefício. Comprometer o Espiritismo e torná-lo ridículo, tal é a tática por
meio da qual esperam, a princípio, desacreditá-lo, para ter mais tarde um
pretexto de interditar, se isso for possível, seu exercício público. Esta é a
armadilha contra a qual é preciso estar em guarda, porque é armada de todos os
lados, e à qual, sem o saber, dão a mão aqueles que se deixam levar pelas
sugestões dos Espíritos zombeteiros e mistificadores. »
R. E. 1869, p. 357 : « Trabalhemos para compreender, para
crescer nossa inteligência e nosso coração ; lutemos com os outros ;
mas lutemos com caridade e abnegação. Que o amor ao próximo, inscrito sobre
nossa bandeira, seja nossa divisa : a pesquisa e a verdade, de qualquer
parte que ela venha, nosso propósito único ! Com tais sentimentos,
desafiemos as zombarias de nossos adversários e as investidas de nossos
competidores. Se nos enganamos, não tenhamos o tolo amor próprio de nos
obstinar nas idéias falsas ; mas estamos certos de que há princípios sobre
os quais jamais podemos nos
enganar : é o amor ao bem, a abnegação, a abjuração de todo sentimento de
inveja e ciúme. Esses princípios são os nossos ; vemos neles o laço que
deve unir todos os homens de bem, qualquer que seja a divergência de sua
opinião ; somente entre eles o egoísmo e a má fé colocam barreiras
intransponíveis.
Mas qual será a conseqüência desse
estado de coisas ? Sem contradita, os conluios dos falsos frades poderão
trazer momentâneamente algumas perturbações parciais. Porisso que é preciso
fazer todos os esforços para os frustrar tanto quanto possível. Mas,
necessariamente, não o farão senão por um tempo e não poderão ser prejudiciais
para o porvir : primeiramente porque são uma manobra da oposição que cairá
pela força das coisas ; por outro, qualquer que seja que digam e que
façam, não poderão suprimir da Doutrina seu caráter distintivo : sua
filosofia racional é lógica, sua moral consoladora e regeneradora. Hoje, as
bases do Espiritismo estão colocadas de uma maneira inabalável ; os livros
escritos sem equívocos e colocados à disposição de todas as inteligências serão
sempre a expressão clara e exata do ensino dos Espíritos e a transmitirão
intacta àqueles que virão depois de nós.
Não precisamos perder de vista que
estamos em um momento de transição, e que nenhuma transição se opera sem
conflito. Não é preciso pois se admirar de ver se agitarem certas
paixões ; as ambições, os compromissos, os interesses contrariados, as
pretensões decepcionadas ; mas pouco a pouco tudo isso se extingue, a
febre se acalma, os homens passam e as novas idéias permanecem. Espíritas,
se querem ser invencíveis, sejam benevolentes e caridosos; o bem é uma
couraça contra a qual sempre vem se quebrar as manobras da malevolência. »
R. E. 1865, p. 264 : « Por ora façamos o maior bem possível com
ajuda do Espiritismo : façamo-lo mesmo à nossos inimigos ; ser pagos
com a ingratidão, é o melhor meio de vencer certas resistências e de provar que
o Espiritismo não é tão negro como alguns o pretendem. »
R. E. 1864, p. 326 : « O Espiritismo, repito, em demonstrando, não
por hipótese, mas por fatos, a existência de um mundo invisível, e o porvir que
nos espera, muda totalmente o curso das idéias ; dá ao homem a força
moral, a coragem e a resignação, porque não trabalha mais somente para o
presente, mas para o futuro ; sabe que se não desfruta hoje, desfrutará
amanhã. Demonstrando a ação do elemento espiritual sobre o mundo material,
amplia o domínio da ciência e abre, por isso mesmo uma nova via ao progresso
material. O homem terá então uma base sólida para o estabelecimento da ordem
moral sobre a Terra ; compreenderá melhor a solidariedade que existe entre
os seres deste mundo, posto que esta solidariedade se perpetua
indefinidamente ; a fraternidade não é um palavra vã ; ela destrói o
egoísmo em lugar de ser destruída por ele, e, muito naturalmente, o homem
imbuído dessas idéias conformará a elas suas leis e suas instituições
sociais. »
R. E. 1864, p. 26 : « A caridade e a fraternidade se reconhecem
por suas obras e não por suas palavras ; é uma medida da apreciação de
que não se pode enganar senão aqueles que se cegam com seus próprios méritos,
mas não aos terceiros desinteressados ; é a pedra de toque à qual se reconhece
a sinceridade dos sentimentos ; e quando se fala de caridade, em
Espiritismo, se sabe que não se trata só daquela que dá, mas também e sobretudo
daquela que esquece e perdoa, que é benevolente e indulgente, que repudia todo
sentimento de ciúme e de rancor. Toda reunião Espírita que não estiver
fundamentada sobre o princípio da verdadeira caridade, será mais nociva que
útil à causa, porque tenderá a dividir em vez de reunir, levando além disso, em
si mesma, seu elemento destruidor. Nossas simpatias pessoais serão então sempre
cedidas a todos aqueles que provarem, por seus atos, o bom espírito que os
anima, porque os bons Espíritos não podem inspirar senão o bem. »
R. E. 1867, p. 278 : « Um último caráter da revelação
espírita, e que ressalta das condições mesmas nas quais foi feita, é que,
apoiando-se sobre os fatos, ela não pode ser senão essencialmente progressiva,
como todas as ciências de observação. Por sua essência, contrai aliança com a
ciência que, sendo a exposição das leis da natureza, em uma certa ordem dos
fatos, não pode ser contrária à vontade de Deus, o autor dessas leis. As
descobertas da ciência glorificam a Deus em lugar de O rebaixar, elas não
destroem senão o que os homens têm construído sobre as idéias falsas que se tem
feito de Deus.
O Espiritismo não coloca então, como princípio absoluto, senão aquilo
que é demonstrado pela evidência, ou que ressalta logicamente da observação.
Tocando em todos os ramos da economia social, aos quais prestou o apoio de suas
próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, de
qualquer ordem que elas sejam, chegadas ao estado de verdades práticas, e
saídas do domínio da utopia, sem isso se suicidaria ; em cessando de ser o
que ele é , mentiria à sua origem e ao seu objetivo providencial. O
Espiritismo, marchando com o progresso, não será jamais ultrapassado, porque,
se novas descobertas lhe mostrarem que está em erro sobre um ponto, ele se
modificará nesse ponto ; se uma nova verdade se revela, ele a
aceita. »
R. E. 1869, p. 258 : « O Espiritismo não é mais solidário com
aqueles que prazam em se dizerem Espíritas, do que a medicina o é com os
charlatães que o exploram, nem do que a saudável religião o é com os abusos ou
mesmo com os crimes cometidos em seu nome. Não reconhece por seus adeptos senão
os que colocam em prática seus ensinamentos, isto é que trabalham para sua
própria melhora moral, esforçando-se em vencer suas más inclinações, ser menos
egoístas e menos orgulhosos, mais doces, mais humildes, mais pacientes, mais benevolentes,
mais caridosos para com o próximo, mais moderados em todas as questões, porque
este é o sinal característico do verdadeiro Espírita. »
R. E. 1869, p. 25 : « O conhecimento das leis que regem o
princípio espiritual, se relaciona de uma maneira direta à questão do passado e
do porvir do Homem. Sua vida está limitada à existência atual ? Entrando
neste mundo sai ele do nada, e reentra no nada ao deixá-lo ? Já tinha
vivido antes e viverá outra vez ? Como viverá e em que condições ? Em
uma palavra, de onde veio e para onde irá ? Por que está sobre a Terra e
por que sofre ? Tais são as
questões que cada um se põe porque têm, para todo mundo, um interesse capital,
e que nenhuma doutrina deu ainda uma solução racional. Isto que dá o
Espiritismo, apoiado em fatos, satisfazendo às exigências da lógica e da
justiça mais rigorosa, é uma das causas principais da rapidez de sua
propagação.
O Espiritismo não é uma concepção
pessoal nem o resultado de um sistema preconcebido. É a resultante de milhares
de observações feitas em todos os pontos do globo e que convergem para o centro
que os colige e coordena. Todos os seus princípios constituintes, sem excessão,
são deduzidos da experiência. A experiência sempre tem precedido a teoria. O
Espiritismo, assim se pensa, desde seu início, tem raízes por toda parte ;
a história não oferece nenhum exemplo de uma doutrina filosófica ou religiosa
que tenha, em dez anos, reunido um tão grande número de adeptos ; e
entretanto não empregou, para se fazer conhecer, nenhum dos métodos vulgarmente
em uso ; propagou-se por si mesma, pelos simpatizantes que encontrou.
É ainda evidente que a propagação do
Espiritismo seguiu, desde sua origem, uma marcha constantemente ascendente,
malgrado tudo que se fez para o entravar e desnaturar seu caráter, visando desacreditá-lo na opinião pública. É mesmo
notável que tudo que se fez com esse propósito lhe favoreceu a difusão ; o
barulho que foi feito na ocasião levou as pessoas, que nunca haviam escutado
dele falar, a conhecerem-no ; quanto mais se o há difamado ou
ridicularizado, quanto mais as declamações tenham sido violentas, mais se
instigou a curiosidade ; e como só podia sair ganhando no exame, resultou
que seus adversários se fizeram, sem o querer, os seus ardentes propagadores ;
se as diatribes não lhe trouxeram nenhum prejuízo, foi porque, estudando-o em
sua fonte verdadeira, se encontrou tudo diferente daquilo que havia sido
sustentado. Na luta que sustentou, as pessoas imparciais constataram sua
moderação : nunca usou de represálias contra os seus adversários nem
devolveu injúria com injúria.
O Espiritismo é uma Doutrina
filosófica que tem conseqüências religiosas, como toda filosofia
espiritual ; por isso mesmo, toca nas bases fundamentais de todas as
religiões : Deus, a alma e a vida futura ; mas não é neste ponto uma
religião constituída, visto que não há culto, nem rituais, nem templo, e que,
entre seus adeptos, não há nenhum padre ou bispo. Essas qualificações são pura
invenção da crítica. Só é Espírita quem simpatiza com os princípios da
Doutrina, e quem nela conforma sua conduta. É uma opinião, como qualquer
outra, que cada um deve ter o direito de professar, como se o tem de ser judeu,
católico, protestante, fourierista, sansimoniano, voltariano, cartesiano,
deísta e mesmo materialista.
O Espiritismo proclama a
liberdade de consciência como um direito natural, e a reclama para os seus,
como para todo o mundo. Respeita todas as convicções sinceras, e demanda
para si a reciprocidade. Da liberdade de consciência decorre o direito ao livre
exame em matéria de fé. O espiritismo combate o princípio da fé cega
por impor ao homem a abdicação de seu próprio julgamento ; diz que toda fé
imposta é sem raiz. É por isso que inscreveu na lista de suas máximas :
« Não há fé inabalável senão aquela que pode enfrentar a razão face a
face em todas as épocas da humanidade. » Conseqüente com seus
princípios, o Espiritismo não se impõe a ninguém ; ele quer ser aceito
livremente e por convicção. Expõe suas Doutrinas e recebe aqueles que vêem a
ele voluntariamente. Não procura tirar
ninguém de suas convicções religiosas ; não se dirige àqueles que têm uma
fé e à quem essa fé satisfaz, mas àqueles que, não estando satisfeitos do que
se lhes foi dado, procuram qualquer coisa melhor. »
Para completar este
estudo sobre Allan Kardec e sua obra, e precisar o propósito que o Mestre
queria assinar ao Espiritismo, cremos ser útil reproduzir, para terminar, as
passagens seguintes do último capítulo da GÊNESE : Os
tempos são chegados :
Nota do tradutor :
Este item 14 não corrresponde ao item de mesmo número da versão em português
(37ª Ed. da FEB, 5ª Ed. Francesa), não tendo sido mesmo encontrado em nenhuma
parte da Gênese. O item 15 abaixo corresponde aos itens 17 a 19 da Gênese.
Nº 14 : A vida
espiritual é a vida normal e eterna do Espírito, e a encarnação não é senão uma
forma temporária de sua existência. Exceto pela vestimenta exterior, há, pois,
identidade entre os encarnados e os desencarnados ; são as mesmas
indivídualidades sob dois aspectos diferentes, pertencendo tanto ao mundo
visível, quanto ao mundo invisível, se reencontrando seja num, seja no outro,
convergindo num e no outro ao mesmo propósito, pelos meios apropriados à sua
situação. Desta lei decorre aquela da perpetuidade da relação entre os seres ;
a morte não os separa e não dá término às suas relações simpáticas nem aos seus
deveres recíprocos. Daí a SOLIDARIEDADE do todos por um, e de um por
todos, daí também a FRATERNIDADE. Os homens não viverão felizes sobre a Terra senão
quando esses dois sentimentos tiverem entrado em seus corações e nos seus
costumes, porque então o conformarão a suas leis e suas instituições. Isto será
um dos principais resultados da transformação que se opera.
Mas como conciliar os
deveres de solidariedade e da fraternidade com a crença de que a morte tornaria
todos os homens estranhos uns aos outros ? Pela lei da perpetuidade das
relações que une todos os seres, o Espiritismo funda este duplo princípio sobre
as próprias leis da natureza. Ele fez disso não só um dever mas uma
necessidade. Por aquela da pluralidade das existências, o homem se relaciona a
tudo que fez e a tudo que fará, aos homens do passado e aos homens do
porvir ; não pode mais dizer que não tem nada em comum com aqueles que
morreram, uma vez que uns e outros se reencontram sem cessar, neste mundo e no outro, para ascenderem juntos a
escada do progresso e se prestarem um apoio mútuo. A fraternidade não é mais
circunscrita a alguns indivíduos que o acaso reune durante a duração efêmera da
vida ; ela é perpétua como a vida do Espírito, universal como a
humanidade, que constitui uma grande família em que todos os membros são
solidários uns aos outros, qualquer que seja a época na qual morreram.
Tais são as idéias que
ressaltam do Espiritismo, e que ele suscitará entre todos os homens quando estiver universalmente disseminado,
compreendido, ensinado e praticado. Com o Espiritismo, a fraternidade, sinônima
da caridade pregada pelo Cristo, não é mais uma palavra vã ; ela tem sua
razão de ser. Do sentimento da fraternidade nasce aquele da reciprocidade e dos
deveres sociais, de homem a homem, de pessoa a pessoa, de raça a raça ;
estes dois sentimentos bem compreendidos forçosamente farão as instituições
mais proveitosas ao bem estar de todos. »
17. — A fraternidade
deve ser a pedra angular da nova ordem social; mas, não há fraternidade
real, sólida, efetiva, se não estiver assentada sobre uma base
inabalável ; essa base é a fé, não a fé em tais ou tais dogmas
particulares, que mudam com os tempos e os povos e que se apedrejam mutuamente,
porque, em se anatematizando, alimentam o antagonismo ; mas a fé nos
princípios fundamentais que toda o mundo pode aceitar: Deus, a alma, o porvir, O PROGRESSO
INDIVIDUAL, INDEFINIDO, A PERPETUIDADE DAS RELAÇÕES ENTRE OS SERES. Quando
todos os homens estiverem convencidos de que Deus é o mesmo para todos, de que
esse Deus, soberanamente justo e bom, não pode querer nada de injusto, que o
mal vem dos homens e não dele, se considerarão como os filhos do mesmo Pai e se
estenderão as mãos. Essa a fé que o Espiritismo dá, e que será daqui por diante
o eixo em torno do qual girará o gênero humano, quaisquer que sejam seus modos
de adoração e suas crenças particulares, que o Espiritismo respeita, mas de que
não se ocupa.
Com tal pensamento, onde estão realmente os direitos e os
deveres ? Qual é o objetivo do progresso ? Somente essa fé fez o
homem sentir sua dignidade pela perpetuidade da progressão de seu ser, não em
um porvir mesquinho e circunscrito à personalidade, mas grandioso e esplêndido :
este pensamento o eleva acima da Terra ; se sente crescer sonhando que
possui sua parte no universo ; que esse universo é seu domínio que ele
poderá percorrer um dia, e que a morte não fará dele uma nulidade, ou um ser
inútil a si mesmo e aos outros. O progresso intelectual realizado até este dia
nas mais largas proporções, é um grande passo, e marca uma primeira fase da
Humanidade; mas sozinho é impotente para regenerá-la ; enquanto o homem
estiver dominado pelo orgulho e o egoísmo, utilizará sua inteligência e seus
conhecimentos para proveito de suas paixões e de seus interesses
pessoais ; por isso que os aplica no aperfeiçoamento de meios de
prejudicar os outros e de se destruir entre si.
Somente o progresso moral pode assegurar aos homens a
felicidade na Terra, colocando um freio às paixões más; somente ele pode fazer
reinar entre os homens a concórdia, a paz, a fraternidade. É ele que derrubará as barreiras entre os
povos, que fará cair os preconceitos de casta e calar os antagonismos de seitas,
ensinando os homens a se considerarem irmãos chamados a se auxiliarem
mutuamente e não a viver à custa uns dos outros. Será ainda o progresso moral,
secundado aqui pelo progresso da inteligência, que reunirá os homens numa mesma
crença estabelecida sobre as verdades eternas, não sujeitas a controvérsias e,
em por isso, aceita por todos.
A unidade de crença será o laço mais forte, o fundamento mais sólido da
fraternidade universal, ferida desde todos os tempos pelos antagonismos
religiosos que dividem os povos e as famílias, que fazem ver no próximo
inimigos a serem evitados, combatidos, exterminados, em vez de irmãos a serem
amados. »
Fim
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