a partir de maio 2011

terça-feira, 5 de junho de 2012

Anencefalia e o Movimento Espírita

por Maurício Menezes Vilela

Diante da recente e lamentável decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de legalizar o aborto de fetos anencéfalos, eufemisticamente chamado de antecipação terapêutica do parto, muita coisa poderia ser dito. Porém algumas reações dentro do meio espírita, após essa liberação, merecem muito mais atenção.
O Encéfalo é uma parte do Sistema Nervoso Central, formada pelo Cérebro, Cerebelo e Tronco Cerebral. Anencefalia é uma condição rara onde o feto não forma adequadamente parte do encéfalo. O termo é inadequado pois não existe uma real "falta de encéfalo" o que seria incompatível até com a vida intrauterina, mas o não desenvolvimento total ou parcial das estruturas mais recentes, dentro do processo evolutivo da espécie, com preservação do tronco cerebral e, em alguns casos, parte do cérebro.
Dentre os vários depoimentos técnicos colhidos pelo STF, um deles afirmou que um feto anencéfalo se assemelhava a uma pessoa em morte encefálica, o que se tratava de tão óbvia inverdade que até o Presidente do STF, Ministro Peluso, derrubou essa informação. Na morte encefálica, TODO o encéfalo não apresenta atividade, incluindo o Tronco Cerebral, o que não ocorre nas crianças portadoras de anencefalia. Na morte encefálica, o indivíduo não respira sem aparelhos, o que não ocorre nas crianças anencéfalas.
Uma das vantagens do conhecimento espírita é entendermos a razão para todas as coisas. A Doutrina nos dá ferramentas para compreendermos muita coisa que, à primeira vista, parece injusto ou inútil. O espírita sabe que nada ocorre sem um motivo. Tudo é uma resposta a algo do passado. Portanto sabemos que ninguém nasce com anencefalia sem que isso faça parte de um plano para a evolução daquele espírito. Talvez aquele espírito esteja resgatando uma dívida do passado que o atormenta. Já nos casos em que a criança não chega a nascer ou sobrevive poucas horas, somente a mãe está em processo de expiação. Sabemos que isso não é punição de Deus, mas sim misericórdia divina que nos permite expiar as faltas que nos levam a remorsos prejudiciais à evolução.
As leis divinas não dependem da aprovação do Ser Humano. Elas se cumprirão independente de nossas leis e de nossa aceitação. Portanto a aprovação do aborto de fetos anencéfalos em nada impedirá que se cumpra a justiça das leis de Deus. Se aquele espírito estiver imantado a uma vida curta e limitada fisicamente e não puder nascer como anencéfalo, uma meningite neonatal poderá causar a mesma lesão e servir para o resgate daquele espírito, assim como de seus pais. Seria muita ingenuidade nossa achar que podemos impedir que as leis de Deus se cumpram com uma assinatura de uma lei.
Desnecessário dizer que, as responsabilidades pela realização do aborto do feto anencéfalo, seja no que se refere aos pais, seja em relação aos médicos, continuam a valer exatamente como no caso do aborto de feto são. Às expiações já necessárias, serão somadas novas. Não há, também, como se fugir da responsabilidade de todos os envolvidos nessa aprovação, desde os responsáveis pela consulta ao STF, os depoentes que defenderam o aborto, parte da imprensa que foi claramente favorável, até os Ministros que votaram a favor. Destaque positivo para os Ministros Ricardo Lewandowski e Antonio Cezar Peluso que, a despeito da pressão da mídia, mantiveram o voto contra o aborto. Peluso foi responsável por uma argumentação brilhante e que, sem nunca citar religião, desmantelou cada um dos argumentos pró-aborto. Curiosamente, e mesmo assim, alguns ministros votaram a favor alegando que “o Estado é laico”, fato nunca questionado por nenhum defensor da vida. Não queremos um Estado religioso. Queremos um Estado justo.
Porém o que mais causou estranheza foi a reação de alguns confrades espíritas, atribuindo a responsabilidade por essa aprovação a uma “omissão” dos espíritas brasileiros. Chegou-se a falar que o Brasil teria que enfrentar um imenso “Carma coletivo” por essa aprovação. Questionou-se, de forma bastante crítica, aqueles confrades que defendem a pureza doutrinária, questionando ideias estranhas à Doutrina e médiuns com conteúdo psicográfico duvidoso, como tendo “perdido tempo” combatendo questões “menores” e se omitindo diante de uma questão tão importante.
Essa opinião carece de boa fundamentação. Vejamos por quê. Um Carma coletivo é uma condição extremamente peculiar e ocorre quando uma coletividade, de forma direta, concorre para que algo ruim ocorra, como quando uma população apoia a perseguição a um grupo, por questões étnicas, religiosas, ideológicas; ou quando a imensa maioria da população apoia que seu país inicie uma guerra contra outro. Onde a população brasileira teve direito a impedir a aprovação do aborto pelo STF? Fomos questionados em um plebiscito? Fomos nós que elegemos os Ministros do STF? O Carma é inevitável, mas somente para aqueles que tiveram alguma participação ativa nisso.
Alguns questionam: “Mas a omissão também não é motivo para responsabilizarmos os brasileiros ou, pelo menos, os espíritas?” Diversas entidades, tanto católicas, protestantes e, também, espíritas se posicionaram contra a referida aprovação. Vários autores espíritas escreveram sobre o assunto. Esse posicionamento só serviu para que aqueles que eram favoráveis ao aborto utilizassem o bordão de que “o Estado é laico” para tornar o movimento pró-aprovação ainda mais forte.
O Censo mostra que os espíritas são somente 1,3% da população brasileira. Como esses críticos sugerem que uma minoria como essa possa influir nas leis de um país? Pela tomada do poder pelas armas? Pela formação de uma “bancada espírita” no Poder Legislativo, à semelhança da “bancada evangélica” e que só atraiu mais críticas aos evangélicos?
Será que a melhor forma de evitar novas leis que firam o direito à vida não seria uma melhor divulgação dos princípios da Doutrina Espírita, com informação de qualidade? E isso passa pela eterna vigilância dos textos e ideias que são divulgados como sendo espíritas. Durante a votação do STF, chegamos a ler opiniões de pessoas que se diziam espiritualistas e que condenavam as mães que não abortavam, acusando essas mães de serem “egoístas por prenderem essa criança a uma vida sem recursos, quando poderiam já ter se libertado e reencarnado”. Obviamente tais pessoas aprenderam conceitos espíritas em novelas ou textos pouco confiáveis...
Defender a qualidade dos livros e conceitos espíritas difundidos certamente evitaria que confrades, até bem intencionados, se posicionem favoráveis a conceitos equivocados como o exposto acima.
Como culpar a aprovação do aborto de anencéfalos aos espíritas que questionam a produção mediúnica de certos médiuns, se justamente um dos alvos das críticas desses espíritas mais zelosos publicou um livro supostamente psicografado pelo espírito Chico Xavier, mas com um estilo sarcástico e arrogante que Chico nunca apresentou encarnado, onde esse espírito defendeu abertamente o direito dos pais abortarem fetos anencéfalos? Manter a vigilância constante contra eventuais produções provenientes de espíritos mistificadores é tão ou mais importante quanto uma luta política.
Ao pensar que cabe aos espíritas uma mobilização política intensa e a mudança das leis do país, sem uma mudança do pensamento geral da população é cair no mesmo erro que caiu Judas, ao achar que Jesus iria modificar politicamente a situação dos judeus, quando a mudança trazida pelo Mestre era espiritual.
Ainda assim, a correta divulgação do conhecimento espírita poderá, mesmo com uma lei liberando, impedir que muitos pais optem por essa “solução” infeliz com maior eficácia que qualquer movimento político e midiático bem ao gosto de outras correntes de pensamento, mas que em nada modifica o íntimo do indivíduo, poderia ocasionar.

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