a partir de maio 2011

sábado, 26 de maio de 2012

Caldo, cautela e bom senso


GUARACI LIMA SILVEIRAglimasil@hotmail.com
Juiz de Fora, MG (Brasil)

Guaraci Lima Silveira
Caldo, cautela e
bom senso
Toda e qualquer proposta de revisão doutrinária deve ser bem estudada e analisada em profundidade  

Existem espíritas que propõem atualização em alguns pontos da Codificação. Baseiam-se nos avanços científicos e nas próprias palavras do mestre Kardec de que a doutrina necessita estar a par com a ciência. Justo, muito justo. Faz parte da prática do bom senso pregada e demonstrada pelo Codificador. Porém há situações em que devemos ter muita cautela. A Codificação completou no dia 18 de abril apenas 155 anos. Durante esse período muitas outras obras já surgiram, principalmente as de André Luiz e companheiros que se dedicam aos estudos científicos, os quais vêm demonstrando a atualidade de Kardec. Se formos ajeitando aqui e acolá, dentro dos conceitos de que dispomos na atualidade, pode ser que tenhamos que refazer tudo de novo, porque a ciência nem sempre tem a palavra final sobre os assuntos que ela pesquisa. Uma verdade de agora muda amanhã, como a história da ciência nos mostra. Dentre as propostas de revisão apresentadas, vamos analisar um fato que bem pode referendar nossas palavras acima.
No livro “A Gênese”, cap. VI, item 26, existe uma citação sobre satélites naturais existentes no nosso sistema solar. Pesquisamos três traduções. Primeiro, a tradução de Guillon Ribeiro, da FEB: “O número e os satélites de cada planeta têm variado de acordo com as condições especiais em que eles se formaram. Alguns não deram origem a nenhum astro secundário, como se verifica com Mercúrio, Vênus e Marte, ao passo que outros como a Terra, Júpiter, Saturno etc. formaram um ou vários desses astros secundários”. Vamos agora à tradução de Albertina Escudeiro Seco, da editora CELD: “A quantidade e a situação dos satélites de cada planeta variaram segundo as condições específicas em que eles se formaram. Alguns planetas como Mercúrio, Vênus e Marte não deram origem a nenhum astro secundário, enquanto que outros, como a Terra, Júpiter, Saturno etc., formaram um ou mais”. Por fim vamos citar a tradução de Victor Tollendal Pacheco com apresentação e notas de José Herculano Pires, da editora LAKE: “A quantidade e o estado dos satélites de cada planeta variaram segundo as condições especiais nas quais foram formados. Alguns planetas como Mercúrio, Vênus e Marte não deram origem a nenhum astro secundário, ao passo que outros formaram diversos, como a Terra, Júpiter, Saturno etc.”. Nas edições da FEB e da CELD foram colocadas notas de rodapé dizendo: FEB: “Em 1877, foram descobertos dois satélites de Marte: Fobos e Deimos”. E pela editora CELD: “Em 1877, foram descobertos os dois satélites de Marte: Fobos e Deimos. Ver fotos de Marte nas pp. 680/681 e também nas pp. 682, 683 e 684. (N.R.)”.  
Segundo a ciência, existem hoje três hipóteses
de formação da nossa Lua
 
Interessante é que José Herculano Pires não colocou nenhuma nota. Para ele a informação estava correta e por que estava? Esta é a pergunta. Lembremos que J. Herculano Pires foi considerado como um dos maiores intérpretes do pensamento de Kardec e foi definido por Emmanuel, por intermédio de ChicoXavier, como “O metro que melhor mediu Kardec”.
Entendemos o valor e dedicação desses companheiros que se dedicam a fazer traduções e/ou editar grandes obras de mestres de outras terras. De fato, é um trabalho árduo esse de adequar à nossa língua algo que foi escrito em outra gramática, mesmo sendo o francês uma língua latina. Mas, se de três, um difere, um sininho toca, é preciso saber o que é. Então vamos pesquisar.
Segundo a ciência, existem hoje três hipóteses de formação da nossa Lua, a saber:
  • Coacreção. Propõe que a Lua se formou ao mesmo tempo em que a Terra a partir da Nebulosa Proto-Planetária Solar.
  • Fissão. Propõe que o material que formou a Lua se separou de uma Terra inda em fusão por efeito da rotação.
  • Captura. Propõe que a Lua era um pequeno planeta capturado pelo campo gravitacional da Terra. Talvez um planeta desaparecido e denominado Theia, com aproximadamente o tamanho de Marte. Tudo isto teria acontecido muito próximo do tempo da criação do planeta Terra.
Já aí vemos que a ciência ainda não detém uma informação definitiva. Está em fase de pesquisas, exames e debates. Assim cabe a nós espíritas recorrermos à espiritualidade, já que com ela temos possibilidades de esclarecer o assunto. Vejamos o que diz Emmanuel, no livro “A Caminho da Luz”, cap. 1, Gênese Planetária: “Nessa computação de valores cósmicos em que laboram os operários da espiritualidade sob a orientação misericordiosa do Cristo, delibera-se a formação do satélite terrestre. O programa de trabalhos a realizar-se no mundo requeria o concurso da Lua, nos seus mais íntimos detalhes. Ela seria a âncora do equilíbrio terrestre nos movimentos de translação que o globo efetuaria em torno da sede do sistema; o manancial de forças ordenadoras da estabilidade planetária e, sobretudo, o orbe nascente necessitaria da sua luz polarizada, cujo suave magnetismo atuaria decisivamente no drama infinito da criação e da reprodução de todas as espécies, nos variados reinos da Natureza”. (Editora FEB – 9ª. Ed. – cap. 1 – pág. 20.) 
Fobos é, no Sistema Solar, o satélite que orbita mais próximo do planeta-mãe 
Emmanuel diz: “... delibera-se a formação do satélite terrestre”. À frente vai relatando o processo de diferenciação da matéria ponderável para dar origem ao hidrogênio, deixando claro uma operosidade ímpar dos trabalhadores de Jesus sob os auspícios do Mestre. Então, podemos concluir que a Lua foi formada a partir da Terra e que a tal colisão do objeto Theia não existiu. É apenas uma proposta científica e fato sobre o qual ela ainda não concluiu, que nenhum astrônomo afirma, que ninguém toma para si a palavra final.
Bem, por que estamos nos referindo à nossa Lua, se a citação está em Marte? Voltemos aos textos de “A Gênese” e façamos um recorte: “... Alguns não deram origem a nenhum astro secundário, como se verifica com Mercúrio, Vênus e Marte...”, Editora FEB. “... Alguns planetas como Mercúrio, Vênus e Marte não deram origem a nenhum astro secundário”, editora CELD e “... Alguns planetas como Mercúrio, Vênus e Marte não deram origem a nenhum astro secundário”, editora LAKE. Notem que em todos eles existe a mesma citação: não deram origem.
Fizemos uma pesquisa comparada sobre nossa Lua e Fobos e Deimos, as luas de Marte. Existem fatos curiosos a saber: o diâmetro da nossa Lua é de 3.480 km, enquanto que o diâmetro de Fobos é de 7,5 km e o de Deimos 10 km. Sabemos que a distância entre a Terra e a Lua é de cerca de 384.405 km. Fobos é, em todo o Sistema Solar, o satélite que orbita mais próximo do planeta-mãe: menos de seis mil quilômetros acima da superfície marciana e Deimos fica cerca de 20.000 km acima da superfície daquele planeta. Deimos é o menor satélite conhecido do Sistema Solar. A sua baixa densidade (1.8) é da mesma ordem que a de Fobos (1.9), o que indica deverem ter composições semelhantes – provavelmente uma mistura de silicato e gelo, análoga às dos asteroides do tipo C. Afirmam os cientistas que nossa Lua é, proporcionalmente, o maior satélite natural do Sistema Solar.
Os astrônomos na atualidade não têm tanta certeza se os satélites de Marte foram formados naquele planeta, como a nossa Lua foi originária da Terra, nas anotações de Emmanuel e nas possibilidades científicas acima apresentadas. Notemos que Camille Flammarion, ao conceber mediunicamente a comunicação de Galileu, escreveu que alguns planetas como Mercúrio, Vênus e Marte não deram origem a nenhum astro secundário. Assim, sendo Fobos e Deimos asteroides capturados do cinturão existente entre Marte e Júpiter, como a ciência atual acredita ser, não houve formação deles em Marte. Concordam? Então não consigo entender onde está o erro no livro “A Gênese” de Allan Kardec. Será que está faltando uma linha melhor de interpretação do texto?  
Sabemos que as luas de Marte foram descobertas em 1877 por Asaph Hall 
Alguns companheiros estão divulgando o fato como uma falha de controle de Kardec da comunicação mediúnica ou mesmo animismo do médium e ainda erro de Galileu (Espírito) que ditou o texto a Camille Flammarion.
Sabemos que a Codificação foi supervisionada pelo Espírito da Verdade que, com certeza, não permitiria um erro desta dimensão. Porque seriam três entidades de notória sensatez e conhecimentos a errarem: Galileu, Flammarion e Kardec. Sabemos que as luas de Marte foram descobertas em 1877 por Asaph Hall, portanto, apenas 9 anos depois do lançamento de “A Gênese”. Com absoluta certeza, o Espírito da Verdade estava ciente disso e evitaria qualquer erro por parte dos responsáveis pela Codificação. Sob o crivo do mestre lionês, inúmeras comunicações foram refutadas e por que esta de tamanha importância dentro dos conceitos científicos passou despercebida? É tão fácil dizer que o outro errou, não é mesmo? Em alguns casos, até prazeroso, como não acredito ser aqui.
Propomos assim o caldo do tempo e das confirmações e a cautela e o bom senso no ato de divulgar apressadamente fatos e postulados que ainda estão em estudos. Neste caso, não temos dúvidas de que Fobos e Deimos podem ser mesmo asteroides capturados e não formados em Marte. Há até uma hipótese que daqui a 50 milhões de anos, Fobos se choque com o planeta, transformando-se quem sabe num anel. Percebemos, desta forma, que este assunto ainda está no campo das sondagens. Sendo assim, ninguém pode dar a palavra final. De nossa parte, ficamos com Kardec e “A Gênese” e afirmamos hoje, com ele, que Marte não formou satélites, como a Terra, Júpiter, Saturno etc., conforme está escrito, até que os aparelhos espaciais lançados naquele mundo confirmem a formação de Fobos e Deimos no seio de Marte.
Este e demais assuntos que envolvem propostas de revisão doutrinária devem ser bem lidos, estudados e pesquisados antes. Somos hoje os dignos representantes da Codificação no plano físico. Ainda estamos no século II do Espiritismo, portanto, fazemos parte dos espíritas primitivos. Não deve, pois, haver considerações diferentes entre nós. Bom que os espíritas cientistas opinem sobre o caso. Bom que o assunto seja debatido não com a intenção de ver quem está com a razão e sim para que dúvidas como estas não pairem no movimento. Estamos recebendo diariamente muitos irmãos vindos de outros credos. Eles não podem sentir que temos interpretações diferentes.  
Não devemos esquecer que a ciência modifica
seus conceitos o tempo todo
 
Se algum irmão ou irmã tiver a certeza de que “A Gênese” ou outro livro da Codificação em algum ponto está ultrapassado, deve pronunciar-se de forma científica, apresentando fatos e dados e não somente no formato de uma maneira pessoal e própria de interpretar postulados, e que o faça com o aval dos seus pares, também estudiosos e sensatos, e que tenham amor e respeito à causa espírita.
Quando me decidi pela doutrina, em 1978, li a Introdução de “O Livro dos Espíritos” e me detive por muito tempo no item VIII, quando Kardec propõe: “Acrescentemos que o estudo de uma doutrina, como é o caso da Doutrina Espírita, que subitamente nos lança numa ordem de coisas tão nova e grandiosa, só pode ser feito de maneira proveitosa por homens sérios, perseverantes, isentos de ideias preconcebidas e impulsionados por um firme e sincero propósito de alcançar um resultado. Não poderíamos qualificar dessa forma aqueles que julgam a priori, levianamente e sem terem visto tudo, aqueles que não realizam seus estudos com a continuidade, a regularidade e o recolhimento necessários”.
Ele nos disse que necessitamos evoluir com a ciência, contudo nos concita à cautela, ao estudo contínuo e com recolhimento. Não só os assuntos referentes a Marte e suas luas, como também noutros pontos hoje questionados por tantos estudiosos. Não devemos esquecer que a ciência está caminhando e modificando conceitos o tempo todo. Quem contestaria Newton antes de Niels Bohr, Albert Einstein e outros? Deixemos que as pesquisas científicas avancem. Com certeza a espiritualidade está atenta e no momento certo nos dará as orientações, de forma a não termos dúvidas.
Na década de setenta alguns irmãos de ideal espírita editaram uma obra revisando o conteúdo da obra de Kardec “O Evangelho segundo o Espiritismo”. Venderam-se mais de trinta mil exemplares e ainda disseram que Chico Xavier aprovara o fato. J. Herculano Pires escreveu um livro intitulado Na Hora do Testemunho. Foi o antídoto contra aquele equívoco de revisão e o porta-voz do próprio Chico Xavier, em defesa dele próprio. Vamos a um pequeno trecho da Obra: “Que essas mensagens e crônicas da hora amarga sirvam de exemplo aos que, no futuro, forem tentados a novas pretensões vaidosas de corrigir o Cristo, os Espíritos Superiores e os textos insuperáveis de Allan Kardec”.
Não devemos ficar divulgando conceitos que
confundam as nossas mentes
 
Lembremo-nos da expressão de Bezerra de Menezes em hora semelhante: "Mas, Kardec é insuperável!” Estava pensando: será que se de fato houve equívoco na concepção da Obra “A Gênese”, o Espírito da Verdade não teria aproveitado aquele momento em que muitos se arvoravam em revisar e aproveitado a extraordinária mediunidade de Chico Xavier para corrigir o que de fato necessitasse até então? E não nos colocasse os possíveis avanços da ciência? Hoje temos a mediunidade de Divaldo Franco e outros médiuns de conhecida reputação como intérpretes ilesos e coerentes, por que não os utilizam?
Amigos e irmãos, isto é apenas uma proposta para reflexões. Nós a fizemos e a estamos dividindo com todos. Longe de nós a ideia ou o desejo de estar com a verdade. Apenas não vimos, no caso das luas de Marte, motivos nem mesmo para as anotações de pé de página que se veem em duas editoras. Isto sem críticas, apenas como observações. Quem tiver uma proposta mais atualizada e que não gere polêmica de interpretações, favor pronunciar-se. Só assim edificaremos em nosso movimento espírita as bases fortes e sinceras de que ele necessita para cumprir seu papel no seio das sociedades.
Se, de fato, a Codificação está ultrapassada pela ciência em alguns pontos e que causem desconforto a confrades que militam nos meios acadêmicos, por que não criar, então, um conselho de espíritas ligados à ciência e de notória participação no movimento para uma plenária sob os auspícios de uma instituição respeitável e com a assistência insofismável da espiritualidade? O que não se deve fazer é ficar divulgando aqui, ali e alhures conceitos que confundam mentes necessitando aprender. Precisamos nos cuidar. Voltemos a um texto da citada obra de J. Herculano Pires: “Os pretensos reformadores de Kardec nem sequer conhecem a sua obra, não penetraram ainda no conhecimento da harmoniosa estrutura da Doutrina e com isso não revelam a mínima condição cultural, intelectual e espiritual para suas tentativas de superação doutrinária”. Concluímos sugerindo que um consenso de notáveis estudiosos e aprofundados nos textos doutrinários seria o ideal.

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