a partir de maio 2011

sexta-feira, 27 de abril de 2012

O paradigma da beleza física: desafio para o Espírito


   por Anselmo Ferreira Vasconcelos
A Terra ainda abriga – como uma das inúmeras moradas do Pai em plena busca pela sua ascensão na hierarquia dos mundos – criaturas que se utilizam de valores e critérios que primam pela superficialidade e imaturidade psicológica, o que acaba levando-as a julgar e decidir sobre a vida dos seus semelhantes de forma inconsequente. Podemos observar a manifestação da falta de sabedoria – pois, afinal, não deixa de ser exatamente isto – nos mais variados setores e campos da vida em sociedade. Assim sendo, pode-se observar, como subproduto de tal cultura, não raro, pessoas inadequadas alçadas a determinadas posições de destaque ou relevância com visíveis prejuízos para o bom andamento das coisas. E não se pode atribuir tais acontecimentos exclusivamente à lei de causa e efeito já que somos dotados de capacidade de escolha através dos mecanismos do livre-arbítrio.
Com efeito, um dos aspectos mais reverenciados no mundo moderno – embora de forma tácita – diz respeito à prevalência da aparência como critério de escolha e preferência. Dito de outra forma, a boa aparência cria excelentes e tentadoras oportunidades aos portadores de tais atributos. Não nos referimos aqui às novelas, filmes e telejornais onde desfilam pessoas de notória beleza física e sensualidade, assim como dotadas de corpos esculturais, como se fossem autênticos Apolos e Afrodites enfeitando o imaginário humano. Nesse sentido, diz-se, aliás, que “pessoa feia” não dá IBOPE.
Na verdade, o paradigma da beleza tem aparentemente permeado a trajetória humana desde o início. Em consequência, vivemos num contexto profundamente estereotipado onde o culto exagerado à beleza, à juventude e à estética – como variáveis de escolha – predominam. E os que não se “encaixam” no perfil são claramente discriminados. Exemplo indubitável de tal distorção pode ser visto no universo das corporações. Afinal de contas, é notório que as empresas dão clara preferência aos mais jovens e, em certos ramos, pessoas mais velhas (isto é, com 45 anos ou mais) foram praticamente suprimidas dos quadros de funcionários. Mais ainda: há no Brasil empresas que dão absoluta prioridade à contratação de jovens – e até gabam-se de assim fazê-lo por meio de discursos organizacionais muito bem ensaiados, embora vazios e incoerentes – enquanto outras filiais dessas organizações no exterior arregimentam – contrariamente do aqui ocorre – pessoas mais velhas. Tal fenômeno social com conotação etnocêntrica – altamente perceptível num país como o Brasil onde a maioria da população é ainda jovem, e a beleza e a aparência têm uma importância e um peso considerável – é denominado de ageismo, ou seja, uma forma de preconceito e discriminação relacionada à idade.
Neste sentido, é importante ressaltar a contribuição da prestigiosa revista Época que abordou recentemente o tema através de esclarecedora reportagem enfocando o valor do capital erótico. Reportando-se a vários estudos científicos, os autores argumentaram que os “homens mais atraentes” ganham entre 14 e 27% mais que os não atraentes. Com relação às mulheres, a diferença varia entre 12% e 20%. Em dado ponto, afirma-se que “... é surpreendente constatar que a aparência pode influenciar a renda de professores universitários ou atletas, que deveriam ser avaliados por critérios totalmente diferentes”. Os autores citam também uma pesquisa muito interessante conduzida pela renomada revista americana Newsweek, junto a 202 profissionais de recursos humanos nos Estados Unidos, que “... deixou claro que, apesar do discurso politicamente correto, na vida real a aparência vem logo atrás da experiência e da autoconfiança como critério de contratação – à frente da escolaridade”. Surpreendentemente, para “57% dos recrutadores ouvidos pela pesquisa, um candidato, ‘qualificado, mais feio’ teria problemas para se empregar”.
Obviamente não há nada de meritocrático – muito menos ainda em termos ético-morais – em se esposar critérios assim tão divorciados de qualquer noção mais primária de justiça e equidade. Assim sendo, o retrato acima descrito traz fortes implicações espirituais para os disseminadores de tal ethos e que merecem uma reflexão à luz dos princípios da doutrina Espírita. A primeira implicação leva a necessidade de entender que a beleza física é um patrimônio perecível. Como observa o Espírito Emmanuel na obra Escrínio de Luz, psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier: “Mocidade é beleza de forma. Contudo, se a beleza de forma não se enriquece com o aprimoramento interior, não passa da máscara perecível”.
Como a velhice nos alcança mais cedo ou mais tarde – e, em decorrência, a bela aparência geralmente se esvai – é preciso então se preparar para tal realidade inexorável, inicialmente reconhecendo que o atual cidadão discriminador poderá ser o discriminado amanhã, consoante a lei de causa e efeito. Desse modo, a boa aparência não é um estado permanente, mas uma condição temporária e condicionada – em nosso caso devido ao atraso espiritual – a determinadas provações às quais o espírito necessita enfrentar para o seu aperfeiçoamento. Portanto, poderemos ter uma existência como uma criatura considerada “feia” para provar do mesmo mal que um dia desafortunadamente disseminamos...
Em Obras Póstumas de Allan Kardec tem-se a oportunidade de conhecer o pensamento do codificador sobre o assunto que assim se pronunciou: “... a beleza real consiste na forma que mais se distancia da animalidade, e reflete melhor a superioridade intelectual e moral do Espírito, que é o ser principal”. E deve ser a busca por esse tipo de beleza que nos compete desenvolver. Tudo o mais é fugaz e passageiro. Apesar dos avanços da medicina, o envelhecimento é um fenômeno inexorável. Temos que reconhecer que não é incomum ver – neste mundo atrasado em que vivemos - pessoas empregar os seus atributos físicos para “subir” nas carreiras profissionais ou levar vantagem em algo de forma menos escrupulosa. Muitas são inegavelmente bem sucedidas nesse intento. Mas do ponto de vista espiritual, o indivíduo que vem dotado de beleza extraordinária e a usa para fins nada edificantes está se comprometendo seriamente perante leis universais (ver, a propósito, Cap. 10 da obra Ação e Reação do Espírito André Luiz e psicografada pelo referido médium).
Portanto, se a beleza pode eventualmente “abrir portas”, quando utilizada de maneira torpe, ela também pode fechar outras ainda mais importantes, pois pode afastar o suposto beneficiário de companhias espirituais bem intencionadas que lhe assistem e que desejam unicamente o seu bem. Ensina ainda o Espírito Emmanuel na obra Dicionário da Alma também psicografada pelo inesquecível médium acima citado, que “A mediunidade, tanto quanto a fortuna amoedada ou a beleza física na Terra, representa doloroso caminho de provação, para aqueles que, transitoriamente, a recebem”.
Por outro lado, observa Kardec que “... à medida que o homem se eleva moralmente, seu envoltório se aproxima do ideal da beleza, que é a beleza angélica”. Deduz-se, portanto, que o verdadeiro ideal de beleza está intrinsecamente ligado à perfeição moral que Jesus tão bem exemplificou. A insistência em se aceitar parâmetros tão distantes de noções éticas e de justiça básicas em nada contribuem para melhorar a condição espiritual humana. Idealmente, dever-se-ia auscultar a alma do indivíduo a fim de se conhecer as suas potencialidades e deficiências. Como estamos nos estágios iniciais de entendimento da realidade do Espírito imortal, poderíamos pelo menos procurar ser mais imparciais e basear as nossas escolhas, quando se tratar de gente, em dimensões que valorizem o mérito, a real capacidade, o preparo, o talento e a inteligência emocional e espiritual de cada um, independentemente da sua aparência.

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