a partir de maio 2011

terça-feira, 10 de abril de 2012

LIVRO:O PRIMADO DE KARDEC:Sergio Aleixo 13


Metodologia espírita e cisma rustenista

Capítulo 20: VOLTEMOS A KARDEC!

Pergunto ao leitor se não estão de fato ressoando entre nós os ecos daquele primeiro cisma rustenista? Diante disto, vamos continuar renovando o nosso cômodo pedido aos espíritos e a Deus para que façam pelo Espiritismo o que nós mesmos devemos fazer? Por outra, não são os espíritos tachados de embusteiros quando se pronunciam sobre assuntos “polêmicos”? A valiosa contribuição que nos poderiam dar para a solução de certas dificuldades não é, ao demais, desencorajada pela ideia, balda de fundamento, de que questões “polêmicas” não devem ser propostas aos espíritos, sob pena da grande probabilidade de ocorrerem mistificações? Mas e quanto aos critérios que para superar estes escolhos o Espiritismo nos oferece? De nada vale o saber acumulado e metodicamente transmitido pelo mestre de Lyon em suas obras?... Convém relembrar o n. 287 de O Livro dos Médiuns:

Pensam algumas pessoas ser preferível que todos se abstenham de formular perguntas e que convém esperar o ensino dos espíritos, sem o provocar. É um erro. Os espíritos dão, não há dúvida, instruções espontâneas de alto alcance e que errôneo seria desprezar-se. Mas, explicações há que frequentemente se teriam de esperar longo tempo, se não fossem solicitadas. Sem as questões que propusemos, O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns ainda estariam por fazer-se, ou, pelo menos, muito incompletos e sem solução uma imensidade de problemas de grande importância. As questões, longe de terem qualquer inconveniente, são de grandíssima utilidade, do ponto de vista da instrução, quando quem as propõe sabe encerrá-las nos devidos limites.
Têm ainda outra vantagem: a de concorrerem para o desmascaramento dos espíritos mistificadores que, mais pretensiosos do que sábios, raramente suportam a prova das perguntas feitas com cerrada lógica, por meio das quais o interrogante os leva aos seus últimos redutos. Os espíritos superiores, como nada têm que temer de semelhante questionário, são os primeiros a provocar explicações, sobre os pontos obscuros. Os outros, ao contrário, receando ter que se haver com antagonistas mais fortes, cuidadosamente as evitam. Por isso mesmo, em geral, recomendam aos médiuns, que eles desejam dominar, e aos quais querem impor suas utopias, se abstenham de toda controvérsia a propósito de seus ensinos.[1]

Como se observa, Kardec recomenda expressamente a controvérsia humana sobre o ensino dos espíritos, isto é, aquela polêmica útil, aquela discussão séria dos princípios professados pela Doutrina, aquele discernimento dos pontos fracos e fortes das comunicações mediúnicas. Coisa, aliás, quase sempre desencorajada nos ditados recebidos por Chico Xavier. Num deles, por exemplo, Emmanuel ordena: “[...] Guiar-se pela misericórdia e não pela crítica. Abençoar sem reprovar. [...] Deter-se nas qualidades nobres e olvidar as prováveis deficiências do próximo. Valorizar o esforço alheio”.[2] Enunciados que têm seu valor. Todavia, sentenciados, sem contexto, tornam-se absolutos e, por efeito, de aplicação eventualmente nociva. E era mesmo isso que queria o jesuíta, apesar de Herculano Pires ter-lhe ensaiado uma defesa, dizendo tratar-se ali da “crítica negativa”. Não creio. Porque centenas de outras mensagens psicografadas por Chico Xavier findam realmente por paralisar toda e qualquer ação de juízo, a pretexto de “reforma íntima”. São Luís orientava Kardec de modo diverso:

Tudo depende da intenção. Certamente que não é proibido ver o mal, quando o mal existe. Seria mesmo inconveniente ver-se por toda a parte somente o bem: essa ilusão prejudicaria o progresso. [...] Se as imperfeições de uma pessoa só prejudicam a ela mesma, não há jamais utilidade em divulgá-las. Mas se elas podem prejudicar a outros, é necessário preferir o interesse do maior número ao de um só. Conforme as circunstâncias, desmascarar a hipocrisia e a mentira pode ser um dever, pois é melhor que um homem caia, do que muitos serem enganados e se tornarem suas vítimas.[3]

Os autores espirituais jesuíticos, à clássica moda contrarreformista, bem souberam explorar o sentimento de culpa dos leitores, a fim de driblarem as possíveis controvérsias sobre o que ensinam para além da moral cristã. Evitaram, assim, uma imediata descoberta neles do seu evidente quinhão de pseudossabedoria. Bingo! Instalaram uma nova religião, com minibíblias próprias, recitadas a modo de mantras ao início das reuniões espíritas de todo o País e agora do exterior, nas quais a codificação kardeciana não passa de referência histórica quase todo tempo contraditada pelas chamadas obras complementares ou subsidiárias. Situação que nos caberia reverter mediante o estudo puro e simples dos trabalhos do mestre lionês, nos rumos do que seria a verdadeira unificação dos espíritas: em torno do Espiritismo real, e não desse conjunto informe de acintosas refutações à Doutrina.[4]



[1] F.E.B., 56.ª ed., 1988. Trad.: Guillon Ribeiro.
[2] Astronautas do Além [em parceria com Herculano Pires], cap. 1: Tarefeiros da Doutrina.
[3] O Evangelho Segundo o Espiritismo, X, 20 e 21.
[4] Cf. ALEIXO. Ensaios da Hora Extremahttp://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com 
 
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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Escritor e palestrante espírita. Vice-presidente da Associação de Divulgadores do Espiritismo do Rio de Janeiro.


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