a partir de maio 2011

quinta-feira, 8 de março de 2012

PUREZA E IMPUREZA- CONCEPÇÕES AO LONGO DA HISTÓRIA



       
            Comentários inspirados no livro Evolução Espiritual do Homem de Herculano Pires
     Maria Eny Rossetini Paiva       
                          
      Herculano Pires, o autor espírita cuja obra infelizmente é  pouco estudada nos dias de hoje, dignifica a Doutrina, um espírito de escol. Seu interessante estudo sobre “Pureza e Impureza na concepção espiritual da vida” em  um  pequeno livreto,  “Evolução Espiritual do Homem” (Editora Paidéia), merece análise detalhada.
   Começa o autor, dizendo que  a pureza “nasce das relações sensoriais e portanto epidérmicas do homem com as coisas e os seres.” A sensação desagradável e repugnante determina  esse conceito. Limpo é o que alivia, dá prazer, produz sensação agradável. O desagradável determina a impureza das coisas. Essa sensação é que desencadeia a idéia de puro e impuro.
    A razão como compreensão dessa sensação primária, surge depois, e tenta modificar os conceitos inicialmente estabelecidos pelos sentidos. Certa vez, um médico me disse que se um índio passar mal com um alimento, mesmo que lhe dê prazer comê-lo esse alimento será considerado impuro para ele, que não deverá comê-lo mais. É o instinto de preservação. Sem conhecer sequer o termo alergia, instintivamente e mesmo por experiências anteriores, os “pajés” sabem que o alimento poderá, se ingerido, tornar-se danoso ou fatal. A experiência e a racionalidade alteram o conceito sensorial de alimento puro e impuro.
    O problema maior aparece quando o critério religioso tenta alterar essa base natural e segura. As exigências do conceito de sagrado, e os preceitos de santificação, estabelecidos ainda nas fases tribais da evolução humana, criam o absurdo, o doentio e o bizarro.
    Nas fases iniciais da evolução humana, muitos conceitos surgem simplesmente de  determinações  de “pajés , feiticeiros, pitonisas, ou outros tipos de liderança “mediúnica” ou baseada em poderes anímicos,  que  resolve estabelecer, por instinto, “revelação “ ou visão doentia de mentes “não muito equilibradas”, o que é puro e o que não o é. Estabelecem essas lideranças  o puro e o impuro, rituais de santificação,  que nem sempre tem por  objetivo auxiliar a vida e disciplinar a utilização das faculdades humanas 
 Na fase das grandes civilizações centralizadas no poder imperial, real, ou sacerdotal, como no Egito, em Roma e na Antiguidade, os conceitos de puro e impuro, estão ligados a rituais de purificação estabelecidos por sacerdotes com objetivos também de manter o poder e  aumentar a riqueza da casta sacerdotal, que dominava o estado como no Egito, e na Índia. Até hoje, na Índia, impuro é o pária.  Se um pária  esbarrar em você, você tem que solicitar a presença de um sacerdote da casta bramânica, para limpar toda a família com rituais de purificação. É claro que eles custam caro, como não? Só esses sacerdotes podem fazer o ritual certinho, com as palavras milenares e bem colocadas, senão não valerão...
    Na época de Jesus havia muitos rituais de purificação. Para purificar imolavam-se pombos, carneiros, garrotes, que eram queimados para que as “narinas de Jeová, se satisfizessem com o cheiro de carne”. Claro, esse comércio, feito com dinheiro do Templo, rendia muito e ainda parte das carnes dos sacrifícios ficavam para quem os faziam, conforme a Lei, para alimentar os “donos da religião” e  à  sua família. Afinal, carne sempre foi  muito cara e restrita às classes mais ricas.
        Em Roma, os espíritos malignos tinham que ser afastados por procissões, dos ancestrais, cujas esfígies eram carregadas em andores, como nas procissões católicas. Assim, Herculano nos explica. É fácil concluir que a impureza nos contaminava  a todos, pelas crenças difundidas pelos que nos deveriam esclarecer.  Então eram exigidos ritos de purificação, para nos enganar e explorar.
  É interessante verificar que nessa fase, como na fase tribal o desequilíbrio, o desejo de poder, o orgulho dos que “podiam conversar com os deuses e espíritos”, estabeleceram que a relação sexual era  impura. Mas, os deuses, claro que obedecendo os rituais dos feiticeiros e depois  sacerdotes, podiam torná-la pura.
Certa vez perguntei a um amigo meu, psicólogo social, com todos os títulos universitários, porque os religiosos implicam tanto com um ato tão bonito e natural como o ato sexual. Ele sorriu matreiramente e falou com simplicidade: “ É que o sexo, é uma grande fonte de poder, entre os seres humanos. O prazer compartilhado, gera poder  entre os parceiros.  Quem domina o seu sexo, domina você.  Os líderes religiosos perceberam isso muito cedo, na história do homem. Daí estabelecerem a impureza do ato sexual, a não ser quando consagrado por eles.”
     Com certeza tinha razão meu amigo.  Os religiosos  ao longo da história tem feito do sexo um problema. A virgindade era pura e sagrada. Tão somente virgens mães podiam quando fecundadas por um deus, ter um filho especial um semi deus ou uma criatura superior. Tal era a lenda que cercava Pitágoras. As virgens podiam gerar messias e profetas. As mulheres normais, que se consorciavam com homens comuns não. Em Roma, o culto ao Deus Apis, exigia a castração dos homens para serem sacerdotes. E pasmem, havia os se castravam  publicamente, em cerimônias de sangue, onde o boi Apis, sacrificado em um tablado, recebia a castração de seus novos sacerdotes feita sob o sangue dele, em baixo desse mesmo tablado. As vestais do Templo de Vesta,  deveriam permanecer virgens até os 30 anos, e se quebrassem essa obrigação eram enterradas vivas.
 Por outro lado havia, os cultos fálicos. As casas romanas,  tinham em seus pórticos uma representação do órgão sexual masculino, símbolo de fertilidade e virilidade que traria prosperidade para a família. “A prostituição sagrada existia oficiada nos templos de Vênus, dignificando as prostitutas”, esclarece-nos Herculano e nos fala de  Afrodite cultuada desde os sumérios, com atos sexuais sagrados em seus altares. Havia ainda as bacanais e saturnais das quais nos restam ainda hoje as  festas do carnaval. As bacanais, eram festas gloriosas com as quais os homens homenageavam Bacco, e  as orgias nas festas, agradavam todo o Olimpo.
      Conviviam assim, as proibições e castrações sexuais, os mitos da virgindade, com as orgias e atos sexuais sagrados, mas notemos bem, todos sob o domínio dos sacerdotes, que então utilizavam os mitos e rituais sobre as pulsões  naturais, sempre com objetivo de  manter e  expandir o seu poder e riqueza.  Não apenas no ocidente, nas no Oriente há lendas dos deuses e mitos   que resumam os mesmos preconceitos e crenças. O  próprio Buda, nasce de uma flor de Lótus, certamente porque nem mesmo uma virgem poderia ser digna de parir o Iluminado.  
       Era natural assim, que essa incoerência e essa confusão se imiscuíssem no Cristianismo nascente, em que podemos encontrar todas essas tendências de castração do sexo e de liberalização  nas diferentes heresias perseguidas e às vezes dizimadas com violência, pela  Igreja nos primeiros séculos. As mesmas crenças e mitos romanos e egípcios, são adaptados ao Evangelho, como nos explica Herculano Pires em seu magnífico livro “O Espírito e o Tempo”.   Mas, foram as tendências de horror a matéria, proibição do prazer e exigência de castração, não de fato, mas nos votos de castidade, que venceram as batalhas travadas ao longo dos séculos e se impuseram no cristianismo da Igreja e também nos diversos evangelismos. O evangelismo dignifica o casamento, não aceita o voto de castidade, a não ser antes do casamento.  Sempre se exige porém,  as bênçãos dos homens de Deus, e ainda  se faz da religião uma profissão, que tenta as “ambições secundárias” e faz surgir uma chusma de “novos profetas” como nos fala o Codificador ao nos explicar a dominação exercida pelas religiões. Cap I de A gênese item 8.




Maria Eny Rossetini Paiva é professora, pedagoga e oradora espírita em Lins/SP

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